26/11/2008

gelado #146


Entretanto

Parece que os badochas assados ficaram chocados com a ausência de filmes ingleses no palmarés. E dão como exemplo desta ignomínia os brutais esquecimentos de David Lean, Peter Greenaway e Ken Loach. E porque não Mike Leigh? Lindsay Anderson? Peter Watkins? Valha a verdade, eu também me sinto enxovalhado, a dois níveis:

1) Os especialistas franceses não se terem lembrado de um obscuro nome do cinema mundial, autor de imensos filmes underground e muito pouco reconhecido a nível global: Michael Powell.

2) Os próprios badochas não terem mencionado na sua listinha indignatória o nome do Criador acima citado. É que Powell está para Lean como a Maria de Lurdes Modesto está para esses paneleirozitos da espuma e do chic-chic.

gelado #145

gelado #144

1) Humor labrego, vindo directamente de quem nunca parece ter saído de um tempo (finais dos anos 80, inícios de 90- Streetfighter, gravar com dois vídeos e para isso é preciso ter cabo) e de um espaço (Coimbra? Algures lá perto), repleto de quebras de ritmo anti-audiovisuais que, voluntária ou involuntariamente concretizados, fariam a delícia de Tony Kaufman, e com a devida cereja no topo do bolo: não há ganchos políticos para ninguém. Alguma brisa neste humor lusitano cada vez mais preso à "intervenção" e ao diabo que os carregue a todos.

2) Por falar em marasmo político: numa altura em que a luta de ideologias parece estar a recrudescer, gostaria também de dar a minha opinião civil sobre esta questão: acho que os decotes e as mini-saias das moças das madrugadas da SIC são mais apelativas do que as das suas colegas da TVI.

25/11/2008

gelado #143

Put your hand in my heart, Allen John.

Na Grandiosa História do Cinema e também dos filmes, The River deveria ocupar um lugar cimeiro, possivelmente entre o 12º e o 54º; na não menos rica Grandiosa História do Cinema de Tusa, então, o primeiro lugar não será escandaloso de lhe atribuir, e sim, estou a incluir o Saló nesta imaginária contagem. Toda a cena a que esse fotograma pertence é um primor de sensual erotismo, tão boa que mesmo em pleno Inverno recomenda-se a sua visão acompanhada de um balde cheio de água gelada bem ao lado do pervertido leitor, e já que estou numa de frutuosos conselhos, também lhe digo, cara leitora semi-nua, que estes breve minutos vão fazer mais por si e pela sua triste relação com o seu amante/esposo/chulo do que todas as dicas hottie perpetradas pela merda da Happy. Frank Borzage, um homem romântico, realizou uma história de iniciação sexual e amorosa envolta em terreno panteísta, um decor de beleza irreal onde a crueldade (feminina, neste caso) e a repressão de sentimentos são uma resposta perfeita às mui lindas paisagens (todas de estúdio). Um corvo serve como espantoso símbolo de vigia, com Borzage a incidir sobre ele alguns planos que mais parecem saídos da escola dos surrealistas. Aliás, não parece existir um único plano desaproveitado, nenhum que não encerre em si toda uma importância singular, embora importante para o todo (não sei muito bem como explicar isto, mas parece-me que assim está bem, embora também possa estar mal. Ou assim-assim. Quê? Já vou.) desta completa obra-prima mesmo que incompleta e semi-destruída, pois o início, uma parte do meio e o fim estão perdidos algures, substituídos por fotogramas e inter-títulos que elucidam a narrativa, um procedimento explicativo que ainda consegue encharcar de maior lirismo e mistério uma obra, sem dúvida, poética, sem fazer poesiazinha de cosmética. Rosseau e Fiodor chorariam, disso não tenho eu a mais pequena certeza.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

gelado #142


A

23/11/2008

gelado #140


Perdido entre esbatidas tonalidades verde-tropa, entre rigidez gestual e retórica, entre a frieza maquinal de uma sociedade sem nome, um momento sublime de calor: a preparação de uma refeição canina. Nada mais do que isso e tudo o mais do que isso, e a reconfirmação de que basta colocarem uns planos de pormenor de comida e mãos na comida num filme para eu lhe perdoar todas as falibilidades, indigências e demais Sapunarices. O realizador japonês Mamoru Oshii, conhecido para lá dos Himalaias por Ghost in the Shell, filme de culto para a era da nerdolândia, abandonou a animação mas não o fascínio pelas intersecções invisíveis entre realidade e virtualidade, até um tal ponto que no fim de Avalon o espectador vê-se obrigado a repetir a mesma pergunta efectuada no último plano de eXistenZ. Até lá, há a registar a coerência de um tom, sempre na corda bomba entre o sonâmbulo e o misticismo new wave, puxado pela alavanca da música etérea de Kenji Kawai. Não irrita nem deslumbra, volta a pisar terreno conhecido, a procura de Humanidade num mundo hostil e repleto de zombies metropolianos, mas chega e sobra para valer cerca de 104,4 Matrixs, como a minha insuspeita balança acaba de confirmar. E tem uns belíssimos lombos de porco.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

21/11/2008

gelado #139

Estoril Film Festival. Liverpool, de Lisandro Alonso. Sem pontuação.

Eu sento-me e o Miguel Gomes aparece e aparece o João Pedro Rodrigues e o Botelho e um gajo dos Morangos com Açucar e mais uma actriz conhecida da qual eu não me lembro do nome e que no final apesar de ser portuguesa fez uma pergunta em espanhol e voltando ao princípio o Miguel Gomes e o Lisandro Alonso vão lá para baixo e o Gomes apresenta o filme e diz que o Lisandro é um dos maiores realizadores do mundo e diz que o filme é bom e o Alonso pega no micro e diz que o Miguel Gomes também é um dos maiores realizadores do mundo assim como o João Pedro Rodrigues que estará algures na plateia e sorriem todos e as luzes apagam-se e começa um genérico em letras vermelhas e rockalhada agreste e eu penso já vi isto em qualquer lado e vou vendo o filme e penso que o Lisandro abandonou as filmagens e meteu por lá o realizador automático programado com a tarefa fazer exactamente a mesma coisa do que nos três primeiros e extraodinários sei eu filmes mas desta vez em pior e o filme acaba e o público bate palmas eu não e as luzes acendem-se e volta o Lisandro barbudo e crístico lá para baixo acompanhado por imagine-se quem o Tendinha e só há três perguntas a primeira de uma mulher chilena que diz que o filme basicamente não vale um chavo e o Alonso responde e diz que a opinião dela é válida e o Botelho senta-se a dois lugares de mim e resmunga alarvidades e eu é que sou um conas senão perguntava-lhe umas certas coisas mais íntimas e uma gaja toda boa vai filmando o Lisandro e por arrasto o Tendinha e o Lisandro diz que não tem jeito para filmes porno e que se lixe a Disneylandia e vai-se embora com cara de poucos amigos e o Botelho dá uma palmadinha nas costas do Tendinha e ai que alívio ar livre e tabaco na boca e o Botelho agora volto atrás a dizer entre dentes este festival é um nojo.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

17/11/2008

gelado #138


Na última sequência de The Cool World, alguém muito importante no filme é colocado dentro de um carro da polícia, mas Shirley Clarke parece estar mais interessada em captar a "respiração" urbana e as relações sociais entre os habitantes do Harlem do que em seguir o veículo da autoridade. Fecha-se o arco numa obra que começa como documental e termina como tal, com o seu núcleo sempre numa jigajoga algumas vezes indistinguível entre os dois géneros, em que uma elegia por um amigo morto é acompanhada por "planos consecutivos" (como há dias ouvi num bar) da rotinazinha do pessoal daquela zona de Nova Iorque. Filme político, sim senhor, socialmente activo, sim senhor, mas onde a ladainha do "ai não temos hipóteses porque vivemos em guetos" não é, de maneira nenhuma, servida apologeticamente contra o criminoso branco, até porque o determinismo é desmentido por outras personagens de The Cool World. Na mesma realidade, há quem escolha mais alguma cousa do que passar o tempo inteiro a desesperar por cinquenta dólares para uma pistola. Frederick Wiseman produziu esta obra filmada brutalmente ( jump cuts, zooms, imagens fragmentadas), bem de acordo com o objecto de filmagem. À atenção de pessoas inteligentes e também de membros do PNR.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

gelado #137

You see, according to Cocteau's plan I'm the enemy, 'cause I like to think; I like to read. I'm into freedom of speech and freedom of choice. I'm the kind of guy likes to sit in a greasy spoon and wonder - "Gee, should I have the T-bone steak or the jumbo rack of barbecued ribs with the side order of gravy fries?" I WANT high cholesterol. I wanna eat bacon and butter and BUCKETS of cheese, okay? I want to smoke a Cuban cigar the size of Cincinnati in the non-smoking section. I want to run through the streets naked with green Jell-o all over my body reading Playboy magazine. Why? Because I suddenly might feel the need to, okay, pal? I've SEEN the future. Do you know what it is? It's a 47-year-old virgin sitting around in his beige pajamas, drinking a banana-broccoli shake, singing "I'm an Oscar Meyer Wiener".

Demolidor Denis Leary, em Demolition Man. Aos cuidados da bomb...nutricionista Isabel do Carmo e de toda a pandilha da "saúde".

15/11/2008

gelado #136


É legítimo detestar um filme como Hundstage, do austríaco Ulrich Seidl: auto-indulgente, prazer no sofrimento alheio, visão maniqueísta da realidade, sensacionalista, you name it; e eu exulto, e escrevo que qualquer obra que satisfaça o meu voyeurismo desenfreado é digna de uma dezena de polegares para cima. Seidl, que parece confirmar a ideia de Michael Haneke de que o seu país sofre de qualquer malaise colectiva, filma um grupo de pessoas, quase todas de classe média/alta, emaranhado num belíssimo catálogo de horrores, desde velas enfiadas no cu enquanto se entoa La Cucaracha até a uma depilação da pintelheira vaginal em grande plano, uma tragédia moral para os leitores mais tradicionalistas do Público. O realizador mostra tudo aquilo que fica de fora de novelas e da maioria do cinema, isto é, os momentos mais embaraçosos e mais secretos da vida de cada pessoa, a frio e sem anestesia prévia, fazendo-os durar o tempo suficiente até se tornarem desconfortáveis, sem julgamentos moralistas a escalarem a superfície. As cores quentes da fotografia realçam ainda mais as rugas, o suor e, porque não, a fealdade física dos protagonistas, quase todos parecendo mais velhos do que que a sua idade aparenta. O décor suburbano parece retirado de Edward Scissorhands, mas é num gajo como Todd Solondz (nem por acaso: a Paris Hilton vai entrar no seu próximo filme) que Hundstage mais faz lembrar, embora em doses ainda mais cruéis. Há por lá um strip-tease que pede meças a qualquer Eunice Munõz. Um espanto.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

12/11/2008

gelado #135


A Screwball Comedy nunca foi a minha chávena de chá; a primeira visão de His Girl Friday traumatizou-me tanto com as suas metralhadas retóricas que eu tive tentado a enviar um e-mail à Laura Mulvey ( em 1998 eu não conhecia a Laura nem possuía Internet, mas eu sou um fiel depositário da lenda Fordiana) para uma ajuda e iniciação ao cinematográfico mundo da guerra dos sexos, ou o caralho ca foda (gratuito como eu gosto). Foram precisos mais alguns anos para eu lentamente me começar a reconciliar com o "género", tudo graças às boas mãos de Costa e seus padrinhos Straub/Huillet. É preciso escrever, com toda a clareza, que eu sinto-me muito mais na presença de um filme quando estou a ver uma screwball do que quando Eisenstein ou Vertov me estão a chamuscar os olhos com os seus blocos de granito a embaterem uns nos outros; segundo cálculos esfectuados há menos de vinte segundos, há outra pessoa residente nas Ilhas Antígua que sente o mesmo. Me and My Gal, do grande Raoul Walsh, vai distribuindo Mcguffins atrás de Mcguffins (gangsters, breves pinceladas sobre a crise pós-Grande Depressão, Lei Seca, tudo muito gentil) para criar o contexto certo para o que verdadeiramente importa: a relação abrasadora e cómica entre Spencer Tracy e Marion pastilha elástica Burns, a estourar de piscadelhas de olho e de tácticas de guerra avanço/recuo, avanço/recuo. O costume. Rola o filme e eu alheado, eu alheado e rola o filme. Há uma notável festa de noivado, em registo quase documental, com os actores a olharem para a câmara, talvez indiciando outras latitudes no interior do filme, mas é apenas um momento alienígena na supremacia da técnica invisível. Segue a festa sem o festim das surpresas. Meu rico Walsh de High Sierra e White Heat. Gente respeitável como Manny Farber e Rosenbaum consideram esta a obra-prima de Raoul. É natural: eu uma vez também me atirei, com toda a força, para uma cama, ali na Conforama do Cascais Shopping, e isto já não entra no campo da mitologia.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

gelado #134


Sporting-Leixões: após o árbitro (barbudo) não ter, escandalosamente, sancionado logo aos três minutos de jogo o defesa-esquerdo da equipa de Matosinhos com um cartão vermelho por este ter soprado na cara de João Moutinho, que de imediato caiu inanimado no gramado, equipa técnica, directiva e adeptos do clube leonino largaram o monóculo e a caixa de rapé para se entregarem ao dever de intimidar, com gentileza, o árbitro (barbudo). Depois de retomado, o jogo seria interrompido aos quinze minutos, quando os pupilos de José Mota ficaram reduzidos a apenas quatro unidades, contando com o próprio Mota. O clube de Alvalade vencia por seis a zero. No final do encontro, os sócios leoninos, de novo na posse dos seus utensílios de classe, regozijaram-se-se com o regresso da verdade desportiva e o fim de roubalheiras (sic) de vinte anos. Na conferência de imprensa, Paulo Bento, empunhando uma pistola na direcção dos jornalistas, afirmou que isto era apenas o princípio. Quem, a partir de agora, vier com veleidades de maltratar o Zbording na sua própria casa, fica já a saber que todo o sofrimento e tormentos numa pintura de Bosch serão meros laxantes ao pé do que lhe vamos fazer. Depois digam que eu não os avisei.

11/11/2008

gelado #133


This confusion between simple description and moral accounting, between making art and finding ultimate truth with a camera, a microphone and an editing machine, is an old story in filmmaking and criticism, but it continues to be told, again and again. At this point, I have to wonder why. The appeal of systematic rather than case-by-case exploration is obviously great, as great as the lure of enlightenment in the realm of art and outside of organised religion. However, I find it troubling to read rejections of religious and political dogma from critics who simultaneously espouse aesthetic dogma. I have a feeling that serious film criticism is afraid to hoist up the anchor of moral essentialism for fear of drifting off into the shallow waters of connoisseurship. I suppose that moral essentialism offers a guarantee of seriousness.


gelado #132

Sou capaz de viver com uma preguiça quase permanente. Tenho a qualidade de ser capaz de estar, sem fazer nada, a fumar e a beber café, a ler um livro antigo que me apetece reler. Dinis Machado.

Um verdadeiro insulto à "competitividade" e ao árduo trabalho de pessoas que, com intensas chamas de orgulho nos olhos, afirmam eu já trabalho desde os dez anos, moinante!.

PS- O "realizador" Vieira, passados cinco dias, continua foragido. Com os meus impostos não brincam mais.

10/11/2008

gelado #131


Estas pequenas câmaras, uma maravilha. Agnès Varda.

Com uma curiosidade de puta (MEC dixit) e uma câmara digital na mão (pormaior que será relevante na própria narrativa) Agnès Varda infiltrou-se docemente no mundo dos respigadores à escala francesa, sejam os urbanos com os imaculados bifes e alfaces desenterrados do lixo sejam os rurais, aproveitando estes os despojos das grandes superfícies e dos grandes senhores das terras, em forma de batatas gigantes, figos apetitosos ou uvas primorosas. Em Les Glaneurs et la glaneuse, a crítica à lei do desperdício e à sociedade do "mercado livre" está tão estampada quanto possível para quem a quiser notar, mas suficientemente esbatida na leveza com que se contam estas pequenas histórias, tenham o seu quê de trágico ou de picaresco, quando não ambas. E deliciada com o seu novo brinquedo, Agnès utiliza-o para uma outra forma de respigamento (?), filmando aqueles momentos que ou não são registados nos outros filmes ou se o são, então a sala de montagem irá dar-lhes o devido uso: lixo; à falta de mais imaginação e menos preguiça mental, poder-se-ão designar pelos originalíssimos "pequenos-nadas". Uma inesperada inter-relação com a "trama maior", nunca permitindo que o filme descaia para o mero exercício rotineiro de recolher depoimentos e respectivos comentários aos depoimentos prestados antes dos comentários sobre os depoimentos efectuados. Não só vou passar a bater palmas mentais quando vir alguém a remexer na lixeira, como provavelmente estará na hora de eu fazer o mesmo, pois nunca se sabe que costeleta ou robalo tragável poderá lá estar. E, bem, é sempre mais saudável que ver o CSI, observar uma disputa de bola entre o M. Gonzalez e o Rochemback, ou gastar o balúrdio de cinco euros para ver o novo "filme" do "realizador" Vieira (que continua a monte).

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

08/11/2008

gelado #130


Para Deus não há zero!

The Incredible Shrinking Man, que poderia não ser mais do que uma patuscada agradável, um saboroso guilty-pleasure dos trezentos, transforma-se numa reflexão filosófica e metafísica (sem tese, foda-se) sobre o lugar do Homem na sociedade, e a sua relação com a escala do mundo feita à sua medida (de grandeza). E onde também fica exposto o terror da perda de masculinidade, um complexo de inferioridade face à mulher carregado de ironia, se pensarmos que estamos em plenos anos cinquenta, época do all-american house, com as familiares regras hierárquicas bem definidas e o jardinzinho impecavelmente tratado. Os efeitos especiais evidenciam artesanato por todos os poros, mas nunca tombam para a cheapiness absoluta, até porque o que mais interessa a Jack Arnold é o enquadramento do seu herói na composição do plano. O monólogo final, com um picado significativo, é tão comovente que tive de me certificar a 100% de que não se encontrava mais ninguém por perto. Somos ' tão piquenos.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.

07/11/2008

gelado #129

A crítica de cinema não é gestão de economia. João Lopes, na Sic Notícias.

A propósito do novo "filme" do "realizador" Leonel Vieira.

Entretanto, reparo que um conhecido crítico de cinema do Público, e também o Jorge Mourinha, atribui nota zero ao novo "filme" do "realizador" Vieira. É tempo de estes bandidos preconceituosos dedicarem mais atenção ao mercenarismo, perdão, ás artes económicas.

Um dos piores mainstreams do mundo. O pior, talvez.

O João Lopes chegou ao delicioso ponto de dizer que o "realizador" Vieira nem sequer sabia enquadrar um plano.

Prisão com eles. E levem o Benitez e o Sapunaru.

06/11/2008

gelado #128


Existem filmes, como lugares, em que o mais aconselhável é não voltar a encontrá-los. Corre-se o risco de memórias graciosas (lindo) se diluírem em parcas desilusões (lindíssimo, já posso editar pela Oficina do Livro) no momento do reencontro. An American Werewolf in London, de John Landis, povoava até há poucos dias o meu cérebro de palavras como "medo", "terror", "Sapunaru", e "choque", fruto da sua primeira, e única visão, ter ocorrido algures numa noite de Sábado de 1986 ou 1987, época em que a coisa mais assustadora que me podia acontecer era perder um episódio do Bocas. Há um par de dias regressei ao local do BPN, do crime, e refastelei-me na total indiferença perante o que via. Excepção feita à primeira sequência, na ruralidade inglesa, onde se constrói com êxito um ambiência de opostos (gajos americanos urbanos vs paisagens fantasmagóricas e misticismos locais ingleses), o resto do filme é uma salganhada de géneros (comédia, terror, filme romântico) em que nada bate certo, não havendo nem a gravidade do horror movie nem a coragem suficiente para transformar tudo aquilo em caricatura burlesca (como fez o Jackson de Braindead). Sim, sim, e depois há a metáfora das "dores de crescimento juvenil" (numa cena que continua sem rugas, ao fim de vinte e sete anos): alguém sempre pode pegar por aí, para lhe atribuir "complexidade". Há crónicas jornaleiras e blogs neo-liberais que me assustam muito mais. E lá vão vinte anos de memórias afectivas (a sério: só preciso de fazer um qualificado broche ao editor) para o galheto.

05/11/2008

gelado #127


Há nuvens lá fora. É tempo de aclarar. Até amanhã.

04/11/2008

gelado #126


Uma puta e um padre.

Michel Piccoli abre a sua bíblia; grande plano da bíblia com formigas nas suas páginas (blasfémia alert!); raccord: grande plano de uma caixa de jóias a ser aberta. E em meia dúzia de segundos e num par de planos fica estabelecida a dualidade eterna do ser humano, entre o sagrado e o profano, a compaixão e o egoísmo, a alma e o corpo, a humildade e o Miguel Cadilhe. Um raccord que resume, de forma económica e sem paliativos, a divisão em duas partes de La Mort en ce jardin, uma em que cada um tenta obter o melhor para si na civilização, onde o cinismo dita lei (Simone Signoret, estátua para ela), e outra em que, reduzidas as máscaras quotidianas e aumentados os mais básicos instintos de sobrevivência, se constrói uma entreajuda salvadora (?) numa luxuriante floresta tropical. Charles Vardel, encostado a um tronco, tenta acender um cigarro, mas a chuva não lho permite: não há hipóteses de acessórios burgueses quando o que importa é ter comida na boca. Só numa filmografia como a de Buñuel é que La Mort en ce jardin pode passar por quase nota de rodapé.
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