30/01/2010

o pior realizador do mundo.


Von Trier lança nova obra.

Munido de um capacete de mineiro, uns óculos de soldador, e um maçarico, lá me embrenhei na visão de Antichrist. Sentadinho num sofá, claro, porque eu tenho luz e tabaco para pagar, que me fazem muito mais falta que uma sessão de um filme pré-histórico na "magia da tela". Surge o nome da besta e o título do filme, anunciados com banda-sonora de trovão, para nos deixar bem claro que "isto é para criar ambiente medonho e soturno, ai jesus". Depois, os possivelmente cinco minutos mais ridículos da "história do cinema", que levariam Rivette a pedir desculpa, a beijar a mão e a pagar uma sardinhada a Pontecorvo. Diminuindo ainda mais o seu já escasso q.i, Von Trier porta-se como um atrasado mental encarregue de realizar um anúncio para um Linic. Oh meu deus, oh que belo que é, é a tragédia, é o horror, é o drama. Não deixa de ser cómico na sua azeiteira maneira de visualizar um desastre familiar (ah, aqueles floquinhos de neve, ah, o olhar em slow-slow-slow motion da criança, ah.). Um mimo. Depois, surge a táctica do enchimento, assaz usada por muito cabrão sem talento, que sem saber o que fazer e tendo medo do esqueleto da história, trata de a embebedar com imagens ora cheias de "beleza" ora repletas de "choque",e que possuem o bónus de passarem por filosofia e ensaio sobre a natureza humana, ui mãe, que os pardais necessitam de abundante milho para as suas análises. E lá vai passando o tempo, por entre fodas, punhetas, raposas mortas de fome, sessões de terapia, mais slow-motions de gajo que acabou de entrar no mercado do "audiovisual", mais fodas, um alicate ( isto faz o Miike ao pequeno-almoço, de olho tapado e enquanto come Chocapics), e a banda-sonora trovejante. E eu a ver isto tudo, e a perguntar-me qual a razão de tanto furor e polémica, e de tanta catalogação de filme-choque por esse mundo fora. Depois de coçar o queixo e iluminado pela luz do capacete, chegou-me ao cérebro a razão: a cara, o corpo, e a pintelheira da filha do Serge, uma gaja que faz parecer atraente um rato de esgoto, a raposa morta de fome ou mesmo o Willem Dafoe. É chocante, de facto. Um golpe de mestre do dinamarquês. Uma visão dantesca, como afirmam os repórteres da TVI por alturas de Agosto. Uma pessoa até suspira pelas mulheres do Botero. Santíssima trindade. Tudo isto é triste, tudo isto é Von Trier.

29/01/2010

estrearam ontem os provavelmente dois piores filmes do ano.


Há uma dezena de anos, Songs of the Second Floor causou algum furor, ganhando não sei o quê não sei bem onde. O seu autor, Roy Andersson, tinha estado uma porrada de tempo sem aderir à "magia do cinema", preferindo antes desperdiçar forças a realizar anúncios publicitários, tarefa na qual, segundo Ingmar Bergman, era o melhor do mundo e também de Estocolmo. Songs of the Second Floor é uma merda, mas uma merda que até desperta curiosidade nos minutos iniciais, portanto antes de se tornar na merda propriamente escrita. Planos fixos e sem close ups, situações bizarras, num caldeirão de influências onde se poderiam colocar Kaurismaki, Lynch, Buñuel ou ainda a CD da Liga de futebol. Sketches relativamente inspirados de absurdo humor negro, sem referências oferecidas de mão beijada ao espectador. Mas isto não pode continuar assim por muito tempo, não senhor, há que fazer metáforas e mensagens sobre e com a realidade, senão não há profundidade e provavelmente os tais prémios ganhos em parte incerta jamais poderiam ter acontecido. E lá vem o "argumento" carregadíssimo de sequências alusivas a pingar reflexão sobre a desolação planetária e a doença capitalista e o caralho, sempre com os mesmos planos fixos e a mesma ausência de close ups, porque assim é mais fácil enganar os pedantes e levá-los a babar-se perante tanta distanciação. É uma óptima obra para os Mourinheiros desta vida fazerem "análise sociológica". Após isto, fui lavar os olhos com o Escape From New York.

08/01/2010

"Richard Po...".

Estado em que ficou um crítico literário depois de no mês passado se ter recusado colocar o último de Herberto Hélder no seu top ten.

Como descrever o "argumento" de Made in U.S.A. ( de manhã realizava-se o 2 ou 3 choses...,de tarde o Made..., e de noite canzenava-se a Karina) é tarefa inútil e digna de parvos, aconselha-se antes que este Godard seja visionado em estado de vigília após ter tomado banho e colocado o roupão, que foi exactamente o que fiz. Não tem nada a perder. Se não estiver a gostar, adormece a ver os lindos olhos da Anna. Se, pelo contrário, estiver a gostar muito, deixe-se quase adormecer enquanto os seus olhos semi-cerrados miram os belos da Karina. Seja embalado por uma das mais fantásticas bandas de som de que há memória e contemple já com a baba a cair do lábio os incontáveis gags sonoros que estropiam qualquer expectativa formal. Delicie-se-se com personagens cujos nomes vão desde Richard Nixon a Widmark, passando por [Pato] Donald a Doris Mizoguchi, sem esquecer uma "...tal rua Preminger". Aqueça-se com cenários e paletas de cores que desafiam qualquer Lichtenstein desta vida, e guarde só para si alguns aforismos fabulosos e mande para o curral alguns outros que nem para limpar o cu servem (demasiada poesia). Mais do que um filme-charneira de JLG, Made in U.S.A. é um filme-lareira ou filme-gramofone, sempre a ressoar agradavelmente nos ouvidos do espectador semi-adormecido. Uma pessoa até vai dormir muito mais tranquila. Se eu fosse editor de um jornal, daria total liberdade aos "meus críticos", à excepção de um pormenor: as exactas condições psíquicas, físicas e espaciais em que viram o filme. É importantíssimo.

elementar, caro Doyle.


Ir ao cinema ver um "filme" do Guy Ritchie encontra-se numa vasta lista de acontecimentos a que, eufemisticamente, daríamos o nome de "apocalipses civilizacionais", como o sejam, entre outros, assistir a um concerto da anterior esposa do senhor Ritchie, ver o Jaime Gama nú ou o Benfica ganhar a Liga dos Campeões. No entanto, sem arrependimentos darei 2.5 euros (se entretanto o preço não aumentar) ao cigano de confiança quando ele por lá tiver o Sherlock Holmes, e isto explica-se pelo que se segue. Aqui há pouco mais de um mês, e durante duas semanas, a convalescença obrigou-me a cirandar por casa em pijama, e num desses dias de pijama lembrei-me que havia uma prateleira na sala e que nessa prateleira havia livros. Depois de a examinar durante algum tempo, calhou-me encontrar o Ulysses, numa edição de 1982, e que pesa cerca de dois quilos, algo que pude confirmar agora mesmo, já que a seguir a "cerca de" fui colocar o livro em cima da balança da casa de banho. Uma edição da qual eu tinha lido quinze ou vinte páginas há alguns anos, uma tortura inesquecível e só comparável a visionar o O Preço Certo em Dolby Surround. Mas lá estava eu com o Ulysses na mão, por entre suores frios que já nem sabia se eram derivados da doença ou de ter aquilo a menos de um metro de distância, quando dou por mim a encontrar a salvação numa colecção "Sherlock Holmes" cuidadosamente empilhada. Como foi ali parar, não sei, como também desconheço qual o jornal/revista que a distribuiu. Esta colecção contém todos os contos de Holmes, e ainda o romance O Signo dos Quatro. Por entre chás baratuchos do Pingo Doce tudo foi lido e tudo foi revisto, e daí que eu possa concluir, neste momento, e após essa sistematização de quinze dias, que este que vos escreve é já uma das luminárias mundiais no estudo dos livros de Doyle, estando para breve a realização de uma monografia gigantesca a respeito de Holmes e Watson, com prefácio do Professor João Barrento, a qual será entendida com o recurso a escassos cinco dicionários de criptografia internacional. Um dos temas dessa grande obra em perspectiva será o da fórmula Doyle, que muito vagamente se apresenta assim: a) Watson, na casa de Baker Street, divaga sobre o nevoeiro ou o frio de Londres ou relembra um episódio antigo com o seu amigo. b) Uma pessoa entra nos aposentos de Baker Street e expõe um problema para Holmes, com Watson respeitosamente a ouvir. c) Holmes ouve com os olhos fechados, mãos entrelaçadas no peito e cabeça recostada no banco. d) Iniciam-se as investigações. e) Holmes descobre tudo mas não conta nada a Watson, aguardando o gran finale. f) Holmes envia uma carta ao culpado, que se apresenta em Baker Street para contar a sua perspectiva. g) Watson siderado com os procedimentos do amigo. Outros procedimentos habituais: A Scotland Yard resume-se a imbecis, com o inspector Lestrade como cabecilha número um; Holmes a mandar às urtigas o caso e a preferir levar a cabo experiências químicas, para arejar a mente e ganhar distanciação; Holmes com mil disfarces; Watson sempre atrasado; Holmes consegue descortinar o passado de uma pessoa apenas olhando para as calças na zona dos joelhos; Holmes a dizer a Watson "leve o seu revólver"; Holmes (Doyle) a zurzir em Watson (Doyle) por este popularizar em tons romanescos a suas prodigiosas acções cognitivas, de pura dedução; Holmes a beber vinho ou a fumar cachimbo; Holmes a elogiar o irmão, que só não é o maior detective do mundo porque não quer levantar o cu da secretária; Holmes educado para as senhoras, mas a cagar-se para os seus encantos. E por aí. E o que tem a ver o Sherlock Holmes do Ritchie com isto? Por alguma surpresa na surpresa que se apoderou de alguma gente que por aí li, espantadas com a "fisicalização" da personagem, interpretada pelo actor que tornou arte o "estou-me cagando" de Vilarinho. Ora, Holmes é alguém que equilibra com absoluta precisão os dados de dedução mental com o seu poderio físico, e se for preciso andar ao murro, correr na lama, ou andar desvairado em cima de um cavalo, ele fá-lo. Bem longe, portanto, de uma certa ideia de personagem constantemente plácida nos seus pensamentos, de rosto austero e de cachimbo na boca, só faltando a mantinha em cima das pernas. Se o Downey Jr. apalhaçou a personagem, nada que espante: é apenas a explicitação de algo que já lá estava, e muitas das buscas in loco protagonizadas por Holmes estão bem mais perto do Ichabod Crane de Johnny Depp do que dos sisudos e "profundos" polícias do horrorroso CSI. Quanto ao Ulysses, só quando recorrer aos psicotrópicos.

Godard acaba de rasgar o cartão de sócio.


E, ao fim de trinta anos de listas (retomadas em 1980 após o período alcoólico da revista), Steven Spielberg viu uma obra sua coroada pelos Cahiers, e logo numa "da década". E isto depois de por lá (nas listas) terem passado nomes incontornáveis da "história do cinema" como o Craven, o Landis, ou o Rodriguez. Vale o que vale, e neste caso até vale alguma coisa, talvez a negação definitiva da mistificação aplicada à revista pelos ignorantes: a de que é "anti-amaricana" e de que só elogia "cinema esquisito e realizadores com nomes esquisitos de países esquisitos". Hitchock-Hawksianos, assim se definiam, nos primórdios, os gajos lá do sítio, numa sentida admiração por dois obscuros realizadores, um do Nepal e outro de Cinfães.
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