21/06/2008

gelado #12



A primeira imagem reporta-se ao último plano de The Damned, um filme cujo dvd deveria vir coberto de lodo e com a inscrição Está por sua conta e risco incrustada a vómito no celofane. Se a qualidade de um filme poder-se-à medir na influência que tem junto do espectador, então esta obra de Luchino Visconti é um caso exemplar: mal terminada a sua visão, senti-me tão corrupto e cheio de maus pensamentos que ponderei seriamente enveredar pela vida de político ou de presidente de um clube de futebol, ou mesmo, num caso extremo, jornalista do Correio da Manhã. O cineasta italiano, retratando o colapso moral de uma família burguesa alemã nos primórdios do poder Nazi, faz uma compilação tão exaustiva dos pecados no mundo que transforma Sodoma e Gomorra num parque de diversões ligeiramente mais assustador que aquela coisa que existe no Colombo. O maquiavelismo oportunista de praticamente todos os personagens (salva-se a de Charlotte Rampling- belíssima) é encenado com requintes de sado-masoquismo, cada sequência filmada como um cerimonial negro, barroco, com abruptos zooms a darem conta da fealdade ética daquela gentalha. A sede de poder tem o seu caso paradigmático na personagem de Helmut Griem, um oficial Nazi perito na mestria das marionetas, usando cada elemento da família como intermediário para os seus próprios fins. Aquele gesto presente no último plano, partindo de quem vem (de quem menos suspeitaríamos, diga-se) é apenas o sintoma da entrada numa nova ordem civilizacional, e a antecâmara dos horrores que aí vinham. Grandíssimo filme, pejorativamente catalogado como "decadente"; quando se está a abordar a decadência...

A burguesia também está a cair de podre em Whity, onde temos direito a presenciar mais uma família de malditos. Se no filme de Luchino era a sofrêga procura de poder que todos ansiavam, aqui esse poder já está conquistado, tratando-se então de o empregar como abuso, com um negro (Whity, precisamente, cavalar ironia) a servir como joguete de humilhação para os enfastiados membros de uma família nos EUA (mas filmado em Almería) do séc. XIX. Rainer Werner Fassbinder decidiu filmar o seu Western sem cavalos nem cóbóis nem valores familiares, optando por colocar em campo personagens disfuncionais e tolinhas, e que se revezam em momentos de tortura psicológica, como acontece na sequência presente na foto aí de cima. Fassbinder conduz esta podridão (estou bonito, estou) de maneira rigorosa, privilegiando o longo plano fixo ( perfeitamente justificável em relação aos acontecimentos), aventurando-se por vezes em planos circulares executados com tanta perfeição que não se irão esquecer tão cedo (verdade, já vi o filme há quatro meses). No final, Whity deixa de interiorizar o lugar que a sociedade reservou para si, e trata de fazer umas coisinhas à sua maneira. Acaba tudo no deserto, numa cena de sublime relaxamento.
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