O cinema animado tem dois nomes: Chuck e Jones; se ambos pertencerem à mesma pessoa, melhor ainda. A par de outro mago do desenho animado, Tex Avery, Jones foi o contraponto perfeito à visão normalizadora do mundo projectada pelos estúdios Disney, através do esbatimento bem definido entre as fronteiras do bem e do mal. Jones respondeu a este maniqueísmo com irreverência, anarquia, alusões surrealísticas, e com um evidente prazer em desconstruir as próprias formas narrativas da sintaxe fílmica, como no genial Duck Amuck. One Froggy Evening, que Steven Spielberg classificou como o Citizen Kane da animação, não chegando aos píncaros da invenção do filme acima citado, ou de outra pérola, What's Opera Doc?, é um mimo de entretenimento, em que um um homem tenta fazer fortuna expondo a bizzaria de um sapo cantor; como seria de esperar em Jones, nada é tão fácil como à partida se poderá pensar, e este sapo é muito selectivo quanto aos momentos em que deve dar uso à sua voz de barítono. São apenas oito minutos de desenfreada sucessão de números burlescos, mas onde cabem sátiras ao comportamento humano, desde a sua ganância à sua avareza, passando pelo amor à bebida e à solidão, um microcosmos da palha de que somos feitos. Um filme a ver de manhãzinha, antes de se marchar para o emprego com remela nos olhos. Quando morrer, cubram o meu caixão com um pano do Roadrunner, se faz favor.
O desrespeito pelas convenções também teve em Frank Tashlin um digno representante. Este homem, na década de cinquenta, provocu diarreias mentais a Truffaut e Godard, que nos Cahiers o elegeram a um nível ligeiramente abaixo de Jesus Cristo; até hoje, os americanos continuam sem entender porquê (opinião secundada pelo próprio Tashlin). Hollywood or Bust, a última colaboração Martin & Lewis (excelente batido confeccionado no Jack Rabbit Slim's), poderia ser a obra que Jones realizaria caso enveredasse pelo cinema da carne e do osso: não deve haver um plano em que algo de destrambelhado e irrisório não esteja a acontecer, e se dissermos que há por lá um cão piloto de automóveis, ninguém deverá ficar espantado. Este frenético road-movie entre New York e Los Angeles, imbuído de números musicais e de cores tórridas, vai infelizmente perdendo o seu gás anárquico pelo caminho, acabando a ordem e a lógica por prevalecerem no fim, com uma reunião nada canónica do par Jerry Lewis e Anita Ekberg (a fazer de himself). Não será pelo seu mcguffin ( paródia da cultura pop hollywoodiana) que Hollywood or Bust ganhará o mínimo de admiração, mas antes pelos destroços (literais) que as personagens vão deixando pelo caminho antes de atingirem a cidade dos anjos. Uma obra mais do que interessante enquanto está na estrada, mas que se limita quando encosta o carro.