Não há coincidências, escreveu uma "escritora" lusitana. Engana-se redondamente, a sujeitinha. Preparava-me para escrever algo sobre Starship Troopers ( em concreto: os bichos), quando tal me vem parar ao globo ocular: "Starship Troopers doesn't mock the American military or the clichés of war - that's just something Verhoeven says in interviews to appear politically correct. In fact, he loves clichés, and there's a comic strip side to Verhoeven, very close to Lichtenstein. And his bugs are wonderful and very funny, so much better than Spielberg's dinosaurs. I always defend Verhoeven, just as I've been defending Altman for the past twenty years. Autoria: o cineasta francês da Nouvelle Vague que tem escrito abundantes elogios ao trabalho do realizador holandês. E agora o leitor pergunta, enquanto tira o batôn dos lábios e a peruca da cabeça: Starship Troopers porquê? Porque sim. Pelo sublinhado a negro. Por aquilo que de facto me faz gostar, e muito, do filme: insectos, muitos insectos, gigantescos, repelentes, maus, espetando as suas patas-arpões na tenrinha carne dos pobres "troopers". Se o cinema de Verhoeven teve sempre a subtileza de um camião a passar a 300 à hora por cima de uma pequena cabana, então é este o filme que melhor demonstra essa soupless e o seu costumeiro bom gosto. É violento, é literal, é primitivo, é uma delícia. E tem insectos. Já escrevi que tem insectos, daqueles pegajosos e que guincham como mil porcos em chamas? Pronto, eu escrevo: tem insectos pegajosos e que guincham como mil porcos em chamas. E se me metem insectos num filme, conquistam-me facilmente. É uma das especificidades que me faz logo aderir a um filme, por mais medíocre ele seja: insectos (quantas vezes a palavra "insectos" já surgiu neste post?). Se me dessem a oportunidade de realizar dez minutos de qualquer coisa, eu trataria de escolher a parte de On The Road em que o Kerouac e o seu amigo Sal andam a espezinhar insectos mastodônticos no deserto mexicano, em plena madrugada. Um psicólogo trataria de descobrir ramificações freeudianas neste fascínio cinematográfico por criaturas que cá fora me fazem comportar como uma criança de cinco anos. Se algum de vocês está a pensar em fazer algum filme, por mais complexo e arty que seja, insiram pelo menos um planozinho de cinco segundos com uma barata; como na altura eu já terei substituído o Mário Jorge Torres no Público, as quatro estrelas estarão pelo menos garantidas.
E o som da roda de um carro ou carrinha a passar por cima de terra batida? Sempre apreciei, tal como meter-me na garagem, fechada à chave, inundando os sentidos com o cheiro das tintas ( há quem veja novelas, ou goste de sushi, ou leia com gosto o Pacheco Pereira). Quando vi pela primeiríssima vez o O Sabor da Cereja, foi esse som, essa estremosa atenção a esse som, que me empurrou completamente para dentro do filme. Mr. Badhi poderia andar o filme completo a conduzir, sem falar com ninguém, sem objectivo definido, que eu continuaria a ver a obra-prima de Kiarostami, desde que lá continuasse aquela sonoridade. De facto, cada vez mais, os filmes que me vão agradando são os que dão a ouvir os mais insignificantes sons da vida. Cortar peixe, rachar lenha, folhear um jornal, sentar-se num sofá de cabedal, estrelar um ovo, colocar umas luvas, um conjunto de actos com o seu sonido particular, e que por vezes são submergidos pela grande narrativa em curso. O som cristalino dos passos de um insecto, enquanto ao longe se aproxima um carro a passar por cima de terra batida: obra-prima instantânea. E agora vou-me deitar, que amanhã tenho de acordar tarde. Força Rússia.