30/06/2008

gelado #18



Primeiro, há que dizer que estou nu. Segundo: quando o leitor pensa em Singapura ( e não sei porque motivo o faria), que imagens e palavras povoam o seu cérebro? Não faço ideia, porque eu não sou o leitor. Mas sempre posso esclarecer as duas coisas que sei sobre o país asiático: levou um enxerto de ondas no Tsunami de 2004, e tem um realizador chamado Eric Khoo, que por sua vez tem um filme intitulado Be With Me, por sinal bastante interessante. Tendo como base a história de vida de Theresa Chan, que ficou cega e surda durante a adolescência, Be With Me entrelaça essa história com mais outras três, em que os pontos de contacto entre todas elas vão-se estabelecendo com o desenrolar do filme. Obra que faz um intensivo uso da elipse (a primeira meia hora limita-se à apresentação de sinais exteriores das personagens) e do silêncio como regras de ouro, Be With Me convida o espectador a preencher os buracos no puzzle narrativo, sem contudo se tornar num árido exercício formalista, até porque se alguma pecha este filme poderá ter, é o de possuir demasiado coração nalguns momentos, que melhor estariam se fossem tratados sem tantos rococós sentimentais. A sua singularidade reside na forma como escapa ao tenebroso caso da vida, e simultaneamente como apresenta uma visão do mundo e das relações amorosas que muito irritarão os cínicos e niilistas do nosso tempo. Junção periclitante de documentário e ficção, Be With Me esbate essa fronteira que cada vez faz menos sentido, e torna-se simplesmente num filme envolvente para quem tiver a paciência de lhe encontrar o âmago, frágil e delicado. De Singapura não nos chegam apenas desgraças.

Da fragilidade e delicadeza de Be With Me, para a violência sem analgésicos de Gespentser (pronuncia-se Gespeitzer, ou Gespentzâ, ou Gespitzâ, ou Gespeto; esclareçam com os entendidos), um filme onde há uma identidade enviada para o caixote do lixo, e isto é para levar à letra. Em comum com o trabalho de Khoo, há a recusa em dar a papinha na boca do espectador, demorando o seu tempo a estabelecer a sopa do argumento, para desespero dos escravos dos três actos. Digamos que há duas moças, uma discreta e outra acossada como um animal selvagem (ver foto), e um casal dilacerado por profundas feridas interiores, e a partir daqui desenha-se uma paisagem onde foram removidos conceitos como fé, esperança, ou optimismo; na locomotiva da Europa, há lugar para o abandono emocional. Num filme de não-ditos e de repressão de sentimentos, há um extraodinário momento de luz, uma confissão de um sonho durante um casting, mas Christian Petzold evita o caminho proposto por essa cena, até porque isto não é telenovela. Lacónico e enxuto de ganga acessória, Gespentser deverá ser certamente uma das coroas de glória do cinema alemão deste século, mais concretamente da Escola de Berlim, fornada de jovens cineastas a que eu tratarei de dar mais atenção. Como curiosidade, a co-autoria do argumento pertence a Harun Farocki, um dos segredos mais bem guardados do cinema tedeschi dos últimos quarenta anos.
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