Decerto que o leitor conhece aquela secção no EuroNews intitulada "No comments", onde imagens da actualidade- seja um incêndio na casa da vizinha ou um confronto entre polícias e manifestantes numa qualquer avenida mundial- encontram-se desprovidas de palavreado jornalístico que as contextualize. Hiroshi Teshigahara, realizador japonês, decidiu em 1984 construir um documentário sobre o trabalho de Antonio Gaudí baseado nos mesmos pressupostos: as imagens falam por si, o resto é ganga descritiva e redundante. E então lá temos travellings e zooms "elegantes" e "muito belos" sobre as diversas obras do génio espanhol, convidando o espectador à contemplação atenciosa e, se possível, ao mais puro transe meditacional. Agradece-se o gesto de divulgar, para quem queira saber, a qualidade arquitectónica do catalão, mas cabe perguntar o que diferencia isto de um mero portfólio em movimento, destituído do mínimo ponto de vista sobre o que se está a filmar, apenas se preocupando com laboriosos e decorativos enquadramentos de câmara, ao som de música apropriada. Quando procurarem um equivalente cinematógrafico da New Age Music, procurem aqui.
Dusan Makavejev, nos idos de 60 e 70, era considerado o Godard dos Balcãs, tal como o futebolista romeno Gheorghe Hagi, na década de oitenta, era divinizado ao estatuto de Maradona dos Balcãs. W.R -Misterije organizma, o filme mais divulgado internacionalmente do cineasta jugoslavo, leva-me a ponderar a hipótese de Makavejev ter arranjado maneira de viajar vinte anos no tempo, visionado uns quantos filmes de Emir Kusturica, regressado à sua época e posteriormente ter metido mãos à obra. Obra excessiva, histérica, aos saltinhos e gritinhos, com uma montagem fragmentada e dissonante (ui, Godard), W.R desbarata por completo o seu início prometedor, um registo documental em tom levemente sarcástico sobre a vida e obra do DR. Wilhem Reich, em território norte-americano, para subsequentemente inserir à martelada a história de uma jovem comunista na Jugoslávia de setentas, defensora de uma revolução sexual no interior do proletariado. O mais curioso nesta salganhada "não-linear" e muito "anti-narrativa", é que ao fim de meia hora já sabemos o filme de cor e salteado e a sua mensagem já está bem identificada: liberdade sexual já!, abaixo a repressão política aos sentimentos. Por mais que tentem baralhar a cabeça do espectador com jump-cuts, saltos temporais e bricolage pós-modernaça, há filmes tão previsíveis como o mais banal filme de género. O porquê deste W.R ser incensado leva-me a questionar a sanidade mental dos seus admiradores.