07/07/2008

gelado #29



Recuperando uma feliz expressão, The Driver cheira a gasolina e a borracha queimada, e já que se está numa era de remakes e adaptações contemporâneas, estranha-se que esta obra de Walter Hill, uma das suas melhores, ainda não tenha sido alvo de assassinato, perdão, recontextualização. Walter Hill, ele mesmo, neste momento em parte incerta, realizou um filme que segundo Dave Kehr extrai influências de Bresson, Hawks e Melville (eu acrescentaria Peckinpah ou mesmo o Hellman de Two-Lane Blacktop): o diálogo é minimal, Ryan O'Neal é um Driver solitário e profissionalíssimo, cujos vínculos com o exterior resumem-se a ajudar assaltantes a fugir das autoridades, Bruce Dern, como polícia, é o alter-ego de O'Neal, e Isabelle Adjani é uma presença impassível no meio de tanta masculinidade (ninguém tem nome próprio). Hill, que mais tarde se especializaria em rebuscados e excessivos filmes de acção, tem aqui um trabalho seco até aos ossos, sem empecilhos musicais ou retórica de encher chouriços, tecendo uma cerebralidade, frieza e pureza de processos muito mais próximos do cinema europeu do que da parafernália norte-americana associada ao mesmo género de filmes. A dedicação ás longas sequências de perseguição são, curiosamente, o que menos me agradou em The Driver, talvez porque depois de se ver To Live and Die in L.A, mais nenhuma correria de automóveis, por mais bem executada que seja, não deixará de se constituir como uma fraca consolação comparada com os inebriantes duelos de máquinas de William Friedkin. De qualquer das maneiras, se eu fosse dono de um cinema, trataria de fazer uma doube-bill entre o Speed Racer e este The Driver, por esta ordem, e quem tentasse sair da sala, encontraria vários polícias de pistola em riste.

No mesmo ano, Harvey Keitel também pegou no carro em Fingers, mas tal não é importante para a narrativa. O actor de Bad Lieutenant interpreta um escroque de meia-tigela ao serviço do pai, e simultanemante é um pianista com sonhos de grandeza, tarado sexual, possui problemas de próstata e anda sempre na mão com um rádio em altos berros. James Toback, realizador de quem eu mais nada vi embora duvide que tenha feito mais alguma coisa relevante, realizou um Cassavetes em ponto pequeno, o que não é desprestígio nenhum; sente-se a influência de John na improvisação dos diálogos, no caminho tortuoso do argumento onde a indefinição páira, e em momentos onde não parece estar a acontecer cinema, mas a própria vida. Pena, então, que Toback exagere na divisão a traço grosso entre as situações mundanas de Keitel e as cenas "espirituais" de quando ele se senta ao piano, longas sequências de virtuosísmo artístico para que o espectador perceba que, afinal, aquele homem também tem muita sensibilidade e vulnerabilidade. Como bom aprendiz dos anos setenta, Toback termina o seu filme na mais completa suspensão, onde de concreto há apenas o corpo de Keitel. Vinte cinco anos depois, Jacques Audiard daria outro fôlego a esta história, no remake De battre mon coeur s'est arrêté.
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