Eu encaro a tarefa de crítica de cinema de forma natural. Institucionalmente, ela é uma coisa, um hábito de escrever em veículos de comunicação. Mas, para mim, é um espaço muito mais amplo, que começa no primeiro comentário na saída do filme, desde que constitua uma tentativa de compreensão e síntese das sensações experimentadas durante o filme (ou certo conjunto de filmes: filmografia de um autor, safra anual de um país etc.). Creio que o papel de um crítico é iluminar certos aspectos artísticos e influenciar seu leitor a observar além da superfície da obra (a intriga, os atores etc.) e travar contato com sua criação expressiva. Infelizmente, a maior parte da crítica se contenta em escrever sinopses opinativas. Sobre a necessidade de conhecimento, é claro que ajuda ter noções sobre aspectos da história da arte, da filmografia do cineasta em questão, ter uma boa visão de história mundial e história da arte. Mas há casos, e isso é tão importante quanto maravilhoso, em que é o comentário de um leigo que vai mais fundo na compreensão de um dado filme: é mais uma questão de sintonia e sensibilidade e de como conseguir expressar esses sentimentos. Conhecimento por si só é enciclopedismo primário*. Ruy Gardnier.
* faz-me lembrar aquele dia em que vi Frágil como o Mundo, de Rita Azevedo Gomes, na companhia de uma pessoa leiga na matéria, com total ausência de preconceitos para com o cinema português, e que quando terminou o filme explicou-me da maneira mais simples e cristalina as razões que a levaram a gostar dele. Sem saber o que é um cabrãozão de um split-screen. Abençoado olhar virgem.