29/07/2008

gelado #46



Antes de Memorias del Subdesarrollo, o mais perto que tinha conseguido estar do cinema cubano foi quando comprei um livro sobre, helás, cinema cubano no pavilhão, helás, cubano da Festa do, helás, Avante, um Domingo que guardo com muita saudade e ternura porque foi na Quinta da Atalaia que provei o melhor presunto até hoje, e por aquele presunto dispo-me de toda a integridade e começo a entoar a Internacional Socialista. O filme de Tomás Gutiérrez Alea, embora financiado pelo Estado Cubano (eufemismo para Fidel Castro), e sendo Alea na altura um apoiante do mesmo, não se torna, nem nada que se assemelhe, num panfleto primário sobre as maravilhas da Revolução Socialista (também só assim se explica que tenha sido o primeiro filme cubano a estrear nos yankees), embora também não a subverta com azimutes variados (como podia, sequer?); há uma névoa de ambiguidade neste filme, reflectindo o olhar do protagonista, que não permite retirar certezas seguras e definitivas sobre o que vimos, o que por si só já é uma virtude. Sergio, o protagonista, é um burguês que prefere ficar no país a fugir com a família para Miami, aproveitando essa solidão para contemplar o microcosmos social de Cuba, divagar sobre a natureza subdesenvolvida do país, embrenhar-se no tédio existencial sua vida, e reclamar sarcasticamente do modo paternalista como o povo ocidental encara o nativo, utilizando para isso o museu de Hemingway, com as suas armas e cabeças de animal expostas, uma gloriosa amostra do capitalismo além-fronteiras. Mais do que qualquer comentário político, Memorias del Subdesarrollo é uma análise comportamental de um povo, ora em tons irónicos ora em fogachos melancólicos e resignados, como se dali já nada mais pudesse acontecer e o fim da linha tivesse chegado de vez. E se escrevi antes que era um filme com a sua valente dose de ambiguidade, isso também passa muito pela realização de Tomás, imbuída do espírito fragmentado e corta-e-cola do cinema New Wave da época, com sobreposições e colagens de registos vários, desde a foto-montagem à reportagem filmada, toda uma mise-en-scène jazzística (não resisti) adequada ao que se pretende (ou não) exprimir. Perfeito (não tão como os presuntos, todavia).

E como estou numa de estreias de cinema latino-americano, então trata de colocar aqui uns bitaites sobre uma obra proveniente do Peru, a terra de Vargas Llosa, do Sendero Luminoso e do Cubillas e também de uma série de pessoal do qual eu não faço a mais pequena ideia. Días de Santiago foi a estreia na longa-metragem do imberbe Josue Mendez (28 anos, estes jovens), um filme que poderia ter sido uma sonora granada, mas que infelizmente apenas liberta uns estalidos de bombitas de carnaval. Tal como no filme de Alea, Días de Santiago coloca em marcha um protagonista (Santiago e os seus dias) que experimenta a vivência quotidiana da capital do seu país, mas enquanto em Memorias... ela é encarada com todas as contradições possíveis, aqui há um choque directo entre o que é a cidade (o mundo) e o que o protagonista (ex-guerrilheiro) pensa que ela deve ser, com os seus desejos de purificação e ordem (tudo tiene una orden, afirma Santiago repetidamente) como reparação do aparente caos exterior. Esta premissa de base fascista poderia dar origem a uma tensão permanente, mas a acumulação de momentos anedóticos e de palha narrativa (o que é obra, num filme de 83 minutos) retiram força e focus à missão organizativa de Santiago, que está menos disperso do que o seu realizador. Além do mais, há uma alternância entre a cor e o preto-e-branco que me pareceu completamente aleatória e desprovida de senso, mais parecendo que Josue quis dar ares de gajo muita bom, daqueles que mudam a cor fotográfica em cada cena porque, olha, é para aí que hoje estou virado e pode ser que haja quem ache isto muita radical e diferente dos filmes amaricanos, esses vendihões do Templo. Apesar de tudo, não é um trabalho indigente, vê-se com o mínimo de interesse, e augura uma certa expectativa para a carreira do realizador. Só agora é que reparei que não escrevi "Taxi Driver".

Memorias del Subdesarrollo -*****
Días de Santiago -**
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