07/09/2008

gelado #67


Em Strange Days, da cineasta mais bonita em actividade (mesmo que bissexta), havia um filme que, se fosse visto por um determinado grupo de pessoas, o mínimo que poderia provocar era um motim, e o máximo uma conferência de imprensa de Manuela Ferreira Leite; a prudência aconselhava a dar invisibilidade a esse tal de filme. Em 1971, Punishment Park foi proibido de estrear nos EUA, e segundo julgo, jamais o conseguiu fazer; a prudência DO PODER aconselhava a esconder a obra de Peter Watkins dos olhos do público. A imprensa mainstream que o viu arrasou com o filme, pois o povo merece ser protegido destes malévolos filmes abertamente políticos. Pseudo-documentário que encena uma realidade alternativa de 1971, em que nos EUA a segurança (por via da Guerra Fria e Vietname) foi colocada acima de todas as questões de liberdade individual, em que ter uma opinião contrária aos "interesses nacionais" dá direito a captura e julgamento a pronto, Punishment Park é uma bola de cristal que olha trinta anos no tempo, para o famigerado Patriot Act e para Guantanamo, para toda a parafernália securitária e de prevenção pós-11 de Setembro (ora aqui está um filme em que a caução do pós-11 de Setembro se poderá usar devidamente). A dicotomia e o contraste de pensamentos e atitudes entre os julgados e os juízes é tão forte e pronunciada (extrema-esquerda e extrema-direita, praticamente), sem azo a ambiguidadezinhas, que se torna inevitável escrever que foi para este tipo de filmes que se associou a catalogação de incendiário. Mini-orçamento, actores amadores, câmara de 16 mm, extremos grandes planos a coabitarem com planos gerais do imenso deserto da Califórnia, frases poderosas: a consumir com moderação, no caso de o(a) leitor(a) ser um(a) radical de esquerda desejoso(a) de fabricar uma bomba para explodir pelos ares com o BES; a ver com muita atenção, no caso de apenas gostar de cinema (coisa esquisita, como bem sabemos pela cara dos jornalistas daquele programa da Sic Notícias com o João Lopes). Foi o primeiro e único filme norte-americano de Peter Watkins, que prosseguiria a sua carreira como erva daninha, liberto de grupos e grupelhos criativos.
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