13/09/2008

gelado #72


The film can be solved using algebraic solution or factorization with x,y,z,α,γ,β, even Σ, but there is one element which is logarithmic ellipsis, so there would be one thing which is unsolvable- Takeshi Kitano

Algures a partir de Brother (2000), o estado de graça de Kitano junto da crítica caiu a pique. Aqueles que o consagraram como um dos grandes cineastas da década de noventa, tratavam agora de lhe fazer o enterro, sob acusações de "repetição", "falta de ideias", "estagnação", ou, a pior delas todas, "academismo". A moda celebratória tinha-se esboroado, e foi precisamente neste estado de coisas que Takeshi teve o seu maior êxito comercial, Zatoichi (2003). Como ressaca destes dois factores (geral insucesso crítico e uma maior exposição mediática, sobretudo nos EUA) o cineasta japonês atirou-se, sem rede e pára-quedas, à contemplação e irrisão de si próprio; o nome, Takeshis'. Ponto prévio: quem nunca tenha visto um trabalho de Kitano jamais deverá começar por aqui: há tantas referências (subtis ou mais explícitas) à sua obra anterior que o gosto pela citação reconhecida perder-se-à irremediavelmente. Alguns dos críticos em Veneza, aquando da apresentação de Takeshis', mostraram-se confusos e furiosos com o mesmo, e a minha dúvida quanto a esse estado de alma prende-se com o facto de eles ou serem absolutamente estúpidos ou extremamente idiotas, uma solução nada fácil de resolver, alguém que me passe uma calculadora. Falou-se de cubismo, de livre associação de ideias, de abstraccionismo, até, porventura, de criacionismo, mas Takeshis' é tão difícil de compreender como o foi Mulholland Drive, e a alusão a Lynch não é inocente, por maiores que sejam as diferenças entre os dois filmes e os dois homens. Basicamente (sim, de forma mesmo básica) trata-se de colocar diversas personagens em contextos absolutamente diferentes e com relações diferentes entre elas, e se era o negrume e a identidade que movia Lynch, aqui é o mais completo delírio lúdico, bem condimentado com o habitual burlesco do japonês, que trata de pôr a locomotiva em andamento. E se muito deste jiga-joga referencial e mesmo infantil resulta, é em grande parte devido ao trabalho de montagem de beat Takeshi, um mestre nessa área, ligando planos através de um som, tecendo associações entre objectos completamente diferentes, recheando o espaço e o tempo com elipses e flashbacks de segundos. Aquilo que poderia resultar num exercício de puro narcissismo, uma indulgente auto-reflexão sobre o Kitano cinematográfico e o Takeshi persona pública, torna-se numa gloriosa demonstracção de poder imaginativo (coisa perigosíssima), uma dedicatória às possibilidades das ferramentas do cinema, um sonho sonhado, como um gajo qualquer disse uma vez. Mas para quê esta esta fluidez onírica, se terminado este ciclo, voltará Takeshi Kitano alguma vez a fazer um filme de gangsters como aqueles que o tornaram famoso e rico?, como perguntou Eurico de Barros aquando do último festival de Veneza? Yakuzas, é disto que o meu povo gosta e quer (mas no Takeshis' também há muitos, ó Eurico). Leitor, pense nos seus sonhos e em matrioskas: este filme está todo aí.
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