Para além de radiografar, uma vez mais, aspectos sócio-económicos da nova China (aqui é o sistema de produção de roupa, desde o anonimato do fabrico massivo nas grandes fábricas até aos artesanais alfaiates na China rural, passando pela moda personalizada de uma estilista chinesa), Jia Zhang-Ke, em Useless, vai eliminando, impercetivelmente (acordo ortográfico), a divisão documentário/ficção, até se ficar a desconhecer onde acaba uma e começa a outra. É a velha cantilena de que o melhor documentário é aquele que incorpora procedimentos ficcionais e vice-versa, coisa que requer uma enorme habilidade narrativa de que eu, neste momento, não estou em condições de explicar, nem que seja por não o saber. O resto (aliás, Resto) é o uso de langorosos travellings por entre a massa trabalhadora da cidade, ou o magnífico uso da profundidade de campo nas encardidas paisagens aldeãs, ou ainda uma banda sonora que traz sempre para primeiro plano a materialidade dos gestos e dos objectos, formas bastante simples de dar a ver e ouvir. Requer paciência, pois requer, mas está longe de qualquer vestígio de hermetismo insustentável, ao contrário do que me pareceu um filme de um falecido e célebre realizador soviético que recentemente vi e que será generosamente destruído neste blogo no prazo máximo de cem horas. Quanto a este Useless, para além dos seus específicos méritos, tem o bónus de desenjoar do espantoso e megalático (acordo ortográfico) virtuosismo técnico de Zhang Riefenstahl Yimou.