[...].E assim Hollywood continua a dar tiros ao lado- ou será tiros no pé? J. Mourinha, ípsilon de Sexta-feira, rematando com uma pergunta a sua crítica a Max Payne.
Cada escriba tem as suas expressões-fetiche, muletas e amuletos vocabulares usados a tempos regulares, algumas vezes apenas com o intuito de disfarçar a ignorância em abordar determinado assunto. Mesmo eu possuo uns quantos habitués, tais como "algumas vezes apenas," "determinado assunto", ou "é". Mas eu sou um insecto quando comparado ao Gigante Jorge, um homem que tem pautado a sua estadia no Público com uma inacatável coerência, jamais cedendo, em texto algum, à tentação de não me irritar. Homens destes, acabaram, mas sigamos em frente e não pensemos mais nestes negros tempos de valores relativos. Caderno de encargos: o meu olho de insecto tem reparado que o Gigante é um adepto fiel deste conjunto de palavras, imprimindo-o, sobretudo, nos textos referentes a filmes que tenham feito, no mínimo, cinquenta milhões de dólares de receita nas páginas da Variety. A sua função é a de estabelecer o cumprimento dos serviços mínimos prestado por qualquer entertainment movie, um guia precioso para casais enfastiados de compras no centro comercial saberem que filme vamos ver hoje, amor? Olha, vamos ver aquele, pois segundo li no ípsilon, ele cumpre o seu caderno de encargos. 'Tás tão boa. Vestiste o fio dental que te pedi? Vais levar poucas vais. Deixa-nos só acabar de ver este caderno de encargos, que logo vês. Posto isto (mais uma chouriceira aqui do estaminé), foi com inegável surpresa e choque que não encontrei o caderno na crítica a Max Payne. "Um erro editorial", pensei, sossegando o espírito. Tencionei telefonar para a redacção do Público e perguntar pelo Vasco Câmara, mas recuei, seguro de que ele estaria a visionar um Fassbinder. Já possuído por ligeiros electrões nervosos, ponderei ir à papelaria onde me tinham vendido o jornal, e perguntar ao lojista onde diabo tinha ele escondido o caderno de encargos do Jorge. Mais uma vez, fiz marcha-atrás, ao recordar-me de que eu não tinha ido a nenhuma papelaria comprar o jornal. Voltei, qual São Tomé em dose supla, a ler para crer: e desta vez, leitor, a estupefacção atingiu níveis alarmantes, deixando-me meia hora de boca aberta, período em que um casal de moscas se abrigou na dita. Após cuspir os moscardos, direccionei o olhar para a última frase da crítica ( ali em cima), e um mal-estar apoderou--se dos meus intestinos: tinha que ir cagar. Na sanita, questionei a natureza da maldade humana: será que Jorge, de forma sibilina e gélida, andou durante três-anos-três a projectar uma ideia de Corporate friendly, apenas com o supremo desplante de me ver quase transformado em Hulk ( não passes a bola, não), quando na realidade ele escreve os seus textos cinematográficos com uma mão em cima de uma camisa de Simon Bolivar? Será, questionava ainda eu já com o papel higénico a postos, que a ausência dos cadernos complementada com essa última frase não é mais do que uma inócua coincidência? Os fortes alicerces das certezas davam lugar à derrocada das dúvidas (que merda de frase é esta?). E foi assim que me despedi da casa-de-banho, subi para o sotão, e qual bêbado com delirium tremens, procurei em suplementos poeirentos textos do Gigante que me consolassem: As Crónicas de Narnia, A Ilha de Nim, Harry Poter 12, Stardust, 300, etc. Refastelei-me com cada letra inócua. Com inusitada ansiedade espero o próximo ípsilon. Que Deus Nosso Senhor me acuda.