1) Nesta nossa época conturbada a todos os níveis, onde Karl Marx voltou a ser um herói, e em que eu tive de cortar a despesa com as azeitonas à mesa, cabe fazer uma pergunta essencial: porque é que na tv, sempre que se discorre sobre taxas de juro, desemprego, crédito à habitação ou crise financeira, o background visual é geralmente a Rua Augusta, e residualmente a passadeira da morte no Terreiro do Paço? Se no segundo caso há uma dimensão metafórica compreensível, no primeiro existe uma insistência numa imagem que carece de compreensão. Ou as Avenidas do Porto, Coimbra, Braga e Aliados do Lordelo não são dignas de também figurarem como suporte de assuntos degradantes? Um exemplo, entre outros, de um bafiento centralismo que teima em perdurar. Mas será que ninguém reflecte sobre isto? Tenho de ser eu? Não há cidadania suficiente neste país.
2) Uma das ideias que os defensores do negócio futebol nos tentam vender assiduamente é aquela que diz respeito a árbitros e dirigentes desportivos se tornarem invisíveis, para assim darem total primazia aos verdadeiros artistas do espectáculo, que segundo eles são os treinadores e jogadores. Aos treinadores ainda dou um desconto, pois por entre banalidades e catch frases o saldo anda sempre equilibrado. Quanto aos jogadores, pode-se escrever que há ratos de esgoto que conseguem expressar guinchos mais interessantes do que a maioria deles. É que são anos e anos a levar com "temos de levantar a cabeça", "pensar no próximo jogo", "vou trabalhar para merecer a confiança do mister", "O Benfica é o maior do mundo", " vamos dar a volta", "vamos entrar com tudo", " o adversário fez o primeiro golo na primeira vez que foi à nossa baliza", etc, etc. Como é que diminuídos mentais, cujas únicas coisas que sabem fazer é pontapear ou adornar a bola, jogar playstation e ás cartas, ver dvds contrafaccionados e pagar as mordomias das esposas, podem ser a cara de um desporto nobre? Podem, se pensarmos na imprensa desportiva. O discurso repleto de gíria futebolística, de frases repetidas até à exaustão e de perguntas eternas levou a que quem assista uma flash-interview ou uma conferência de imprensa não precise de ver outra, pois é sempre o mesmo filme a rolar através dos tempos. A primeira coisa que um extraterrestre aprenderia seria com certeza a linguagem codificada entre jornalistas desportivos e futebolistas. É um nó impossível de ser desatado, e é claro que para o florescimento do negócio e da imagem, torna-se imprescindível que nada de relevante e perigoso seja proferido nesses momentos de confrontação. "Estou aqui para ajudar a equipa".