03/10/2008

gelado #99



Não há um único "Love You" nestes dois filmes.

Na primeira vez que tentei ver Before Sunrise, tinha então dezanove anos, adormeci ao fim de vinte minutos. Como tinha gravado, voltei à carga uns dias depois, e desta vez a experiência foi muito diferente, pois adormeci após os vinte e cinco minutos. E ficou por aí, durante uma década (até há três dias) a minha história com o filme de Richard Linklater, mesmo quando há um par de anos me ofereceram o dvd, desde logo guardado com todo o carinho na prateleira. No Domingo passado, antes de ir ter com o meu amante, estava a fazer zapping e encalho na TVI, que passava o Before Sunset, também ele ignorado até ao momento nesta casa. No ecrã, uma conversa num carro. Desliguei o miserável aparelho, que um filme é para ver do início. Reavivada a memória, pirateio com todo o gosto o Sunset, que fica pronto num instantinho, e activo o modo Double Bill para Terça-Feira, por entre o estritamente essencial à boa saúde, café e cigarros, não fosse voltar a adormecer a ver um filme, algo que já não sucede há muito tempo, nomeadamente desde. Before Sunrise, muito bem. Uma sucessão, até ao quarto de hora final, de conversas inteligentes e com o seu quê de verborraico, alguns clichés (aquele poeta, sinceramente...), um momento de constrangimento, e um agradável cartão de visita da Vienna turística. Dei-me conta que ao fim de um determinado período eu já não prestava a mínima atenção ao que diziam. A minha cabeça já estava no outro filme, pois, caro leitor, apesar de ignorado até à data, eu sabia bem a estória que o envolvia. No entanto, despertei a partir do momento em que a melancolia da despedida se foi instalando, e senti que o meu filme tinha começado; os Chesterfields, esses, marchavam que nem uvas, muito obrigado. Pasmoso aquele momento na fonte, com os olhares a substituírem as palavras de forma perfeita. Estação, beijos, choro. Dali a seis meses. Finito.

Ah, Paris, "Pári", a cidade da revolta estudantil, dos carros e das casas desfeitas pelos jovens da periferia, da Belucci a ser enrabada num túnel asqueroso, mon dieu, trés jolie. Shakespeare and Company. Um escritor a apresentar o seu livro, sem nunca deixar de referir o que lhe tinha acontecido nove anos antes. Flashbacks do primeiro filme, e uma salva de palmas para Linklater, por os encadear tão bem que a primeira aparição da Julie Delpy em Sunset mais parece advir dos mesmos, algo impossível de estar a acontecer naquele momento, um desejo do escritor. É mesmo ela, e lá vai o escritor Hawke a caminho da Julie, e há um embaraço tão grande naquele cumprimento que eu tive de parar o filme e ir comer um iogurte. E recomeçam a conversa, mas desta vez entrou por um ouvido e não saiu pelo outro. O pudor, santo Deus, o pudor. Uma catrefada de palavras e sorrisos para fugir ao silêncio, para fugir ao passado, para escapar à confrontação. ME? I have no problems, diz um sorridente Ethan. Temos de apalpar o terreno, estudar as hipóteses de êxito, antes da verdade nos sair da boca; até lá, não temos nem um problema. A vontade de aproximação de Hawke é tão grande (bem elucidada numa breve corrida até um banco de jardim) que espatifa qualquer cínica resistência. O tempo real de Linklater provoca a sensação de uma paradoxal clausura: o mundo entregue áqueles dois, não há mais nada, mais nada. Uma hora e pouco por nove anos, fraca consolação pela passagem do tempo. Este texto está com zero preocupações quanto à edição. Tal como em Sunrise, as palavras vão escasseando à medida que o fim se aproxima, mas desta vez transportam uma alusão de esperança. Magnífico e evocativo aquele subir de escadas no prédio de Delpy, revelação total do futuro próximo. Tens de apanhar o avião e depois.... Before Sunset não existe sem Before Sunrise, mas, quanto a mim, é Sunset que impregna de foco emocional os dois filmes. Um dos melhores que vi este ano. Quanto aos Chesterfields, marcharam que nem azeitonas, muito obrigado.
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