Teria o maior prazer em escrever quaisquer palavras significativas sobre Ovoce stromu rajských jíme, aka The Fruit of Paradis, de Vera Chytilová, se por acaso três pequenos pormenores não se entrelaçassem uns nos outros, a saber, por ordem numérica: 1) eu estar cheio de sono e mesmo assim não conseguir dormir, o que me deixa deveras frustrado, e os homens do lixo acabam de fazer uma zucrineira ali em baixo, ali sendo uma estrada; 2) eu estar com uma geral má vontade contra o leitor, que enquanto neste momento empasta o seu corpo contra as calorias do parceiro, eu estou ás cinco da manhã a tentar encontrar as letras no teclado que formem palavras compreensivas e que me ajudem a elaborar a mais modorrenta e preguiçosa análise de um filme checoslovaco de 1970; isto, sim, é amor ao cinema, ou então quer dizer uma outra coisa da qual eu nem quero sentir a mais leve sombra; 3) eu não ter percebido (quase) a ponta de um corno fisgado do filme de Vera. Tal não seria muito preocupante, se antes de o ver não tivesse lido uma quantidade apreciável de artigos sobre o mesmo, onde fui introduzido ao bizarro mundo libertário, experimental, iconoclasta e anti-establishment (seja ele cinematográfico ou social) da dona Vera. Benção para a sua coragem, por ter realizado uma obra que levou o governo-fantoche dos camaradas checoslovacos da altura a banirem a cineasta de qualquer actividade (a propósito, leiam isto: tenebroso), mas essa coragem e força das convicções deveriam vir acompanhadas de um aviso no genérico: a consumir em conjunto com substâncias psicotr
(estou a fumar. já volto)
ópricas. A história em meia dúzia de palavras: Adão, Eva, Jardim do Eden, o Diabo, a tentação. E um esforço titânico de Chytilová em tornar a mais antiga fábula do mundo numa granada contra as convenções de uma real sociedade castradora e beata, o seu regime. Personagens anti-naturalistas, ausência da almofadinha psicológica, psicadelismo animado, sobreposições sobre sobreposições de cor, uma montagem feita de disrupções que tiram a papinha amassada da boquinha alarve do espectador, isto é, da minha. Isto no papel ou no no monitor parece uma óptima ideia (e os primeiros dez minutos até são magníficos, actores dissolvidos em abundante cor e música luminosa), e é aqui que surge a velha máxima: não interessa o que se filma, mas como. Peço desculpa, dona Vera, que ainda está viva, por não ter aderido emocionalmente, nem cerebralmente, nem simpaticamente com esta que para alguns é uma das obras-primas do cinema de leste que despontou nos idos de sessenta, setenta. Não há nada a fazer, o que é uma tremenda mentira, pois sempre a posso rever, já apetrechado dos necessários condimentos. Vá trabalhar, leitor.