08/12/2008

gelado#157


Em 1995, para comemorar os cem anos da primeira exibição pública cinematográfica, uma série de produtoras (Canal +, entre outras) e instituições (Museu Cinematográfico de Lyon, entre outras) convidou diversos cineastas de todo o mundo para um curioso desafio: realizarem, cada um deles, um filme de cinquenta e dois segundos, sem som sincronizado e com o máximo de três takes, tudo através da caixa dos Lumière. Dream Team de Lumière et compagnie constituído por: Kiarostami, Lynch, Rivette, Wenders, Haneke, Chahine, Spike Lee, Idrissa Ouedraogo, Konchalovsky, John Boorman, Zhang Yimou, Angelopoulos, Costa-Gavras, Raymond Depardon, Arthur Penn, Kiju Yoshida. Num gesto de bondade aos pobres, os mentores do projecto também possibilitaram ao homem comum a concretização da sua façanha, e vai daí convidaram pessoas como Greenaway, Ivory e o atrelado Marchant (e vice-versa), Hugh Hudson, Klapisch, ou Lasse Hallstrom para encher o barco. Para além dos filmes, também se colocavam aos cineastas e ás outras pessoas as seguintes questões: Porque filma? Acha que o cinema é mortal? Algumas respostas são interessantes, outras de mera circunstância e outras ainda que não vão a lado nenhum, e só uma rebenta a escala. Quanto aos filmes, pode-se escrever que seguem a tendência das respostas, com resultados bem variáveis. Do decrescente para o crescente: Greenaway constrói uma abominável "instalação artística", "arte" com a memória do Holocausto e um nu. Um nojo. O de Abbas também não vai a lado nenhum, cinquenta e dois segundos da voz de Isabelle Huppert e um ovo estrelado (com bom aspecto, pelo menos). Spike Lee aproveitou para filmar em grande plano a sua filha a tentar dizer "dádá"; lindíssimo. O de Penn teve o mérito de me fazer reparar numa fenda na parede que eu pensava já estar consertada; há uma quantidade apreciável de episódios decorativos (Ivory, Angelopoulos, Gavras, Klapisch, Depardon, etc) e outra de jogos de espelhos cinematográficos (Lelouch, Liv Ullmann, Nadine Trintignant, Youssef Chahine, Wenders), que embora agradáveis parecem apenas comprazer-se no impulso lúdico. Melhores são os de Haneke, captação das notícias de um telejornal numa televisão austríaca (este homem vê zeitgeist até num papel higiénico), o burlesco de Yimou e do romeno Pintilie, a impossibilidade do cinema do japonês Yoshida, ou a recriação- na mesma estação e com o mesmo ângulo- do famoso Arrivée d' un train à La Ciotat por parte de Patrice Leconte (mais vale imitar uma boa ideia do que ter uma e má). Para o fim, as três pepitas: Idrissa Ouedraogo, do Burkina Faso, Andrei Konchalovsky (sim, o do Tango e Cash) e o de Lynch. O primeiro é uma imparável barrigada de riso, estando a comédia mais na rodagem caótica do que propriamente na acção dramática, esta já de si absurda; o do russo é um espantoso traveling num abismo montanhoso em direcção aos vermes da natureza; e finalmente, o de Lynch, é Lynch. Em menos de um minuto há um cadáver e dois polícias, uma salinha de estar saída directamente dos anos cinquenta, uma sessão de sado-masoquismo com extraterrestres e uma mulher no interior de uma bola gigante com água, há chamas, há explosões, há novamente os polícias: dêem-lhe cinquenta segundos e ele constrói logo um mundo aluado. Como as crianças. Não foi suficiente para esquecer o da pessoa Greenaway, mas reequilibrou as contas neste catálogo desequilibradissimo elevado ao cubo.

*****- Fabuloso. Ludivine Sagnier, Scott Walker e sardinha de Portimão.
****- Muito Bom. Gene Tierney e caranguejo com cerveja Sagres de um litro.
***- Bom. Rojões à minhota em dia de chuva.
**- Razoável. Fast-Food em dia sem tempo mais Zizek sóbrio.
*- Medíocre. Conversa de café entre José Manuel Fernandes e João Marcelino.
0- Fusão genético-molecular entre Comentador Vasconcelos, Rui Ramos, Sapunaru e Eduardo Madeira.



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