02/01/2009

gelado #181


Nós de monóculo e de cachimbo, elas de franja e meias ás cores, todos numa agradável tertúlia urbano-burguesa. Jarmusch é um dos maiores do mundo, diz uma, com as mamas descaídas até ligeiramente acima do joelho. Tremo, movo-me no banco, limpo o suor da testa e da face, consulto o relógio de bolso, volto a colocá-lo no colete, tento desviar a conversa perguntando pelos resultados da Bolsa de Tóquio, mas nada resulta, continua à mesa o Jarmusch, um dos maiores do mundo. A rebentar de ansiedade, levanto-me e afirmo, com um murro na mesa: Sim, dos maiores! Riem-se, para meu alívio. Talvez não tenham dado pela cobardia. Depois acordo, e vejo que a esplanada continua repleta. O primeiro acto de Dead Man é extraodinário, fazendo jus à fama de minimalista, sardónico e neto de Keaton que o cineasta granjeou ao longo da sua obra; a demorada viagem de comboio de Depp (com Crispin George McFly Glover, um dos mais "estranhos" e escandalosamente sub-aproveitados actores norte-americanos dos últimos vinte anos), a sua chegada à javardeira anti-mítica do Oeste, e as cenas com Hurt e Mitchum na metalúrgia são momentos de memorável recato estilístico, com o registo silencioso da acção a ser quebrado apenas com o recurso a diálogos bizarros e interessantes. E há a envolvência provocada pelo absoluto contraste entre o aprumo civilizacional de Depp e tudo o que o rodeia, uma quase marca registada do actor com Burton. Mas depois acontecem uma série de coisas: Mitchum desaparece, Johnny mete-se nos bosques, aparece um indío ocidentalizado, há fade ins/outs a cada minuto, aforismos nativos amontoam-se uns em cima dos outros e, cereja podre no topo do bolo com caruncho, a música de Neil Young não pede licença a ninguém, destruindo a quietude de cada plano com uma fúria de bulldozer. Desde a fuga de Depp para os bosques selvagens não há mais nada a não ser um raccord muito simbólico com a primeira sequência do comboio, quando aquele via a paisagem a partir da carruagem. Ah, vejam como o Homem se transforma num Animal. E os episódios com o Iggy Pop e entre o bando de assassinos são apenas isso, episódios à solta. À cacofonia visual, sonora e significativa dos últimos dez, quinze minutos só falta uns inserts de um indío à volta de uma fogueira num ritual xamântico. E depois atrevem-se a falar do The Doors, do Stone. E a fotografia artística do Robby Muller que me vá lamber o cu. Mas a primeira meia-hora é extraodinária.
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