16/01/2009

gelado #196


Parece que a edição deste ano do Paris-Dakar passou por Valparaíso, cidade portuária chilena, e local onde nasceu onde um certo ditador muito admirado por um determinado grunho que neste momento destreina uma das equipas de topo da Premier League inglesa. Quem quiser ficar a conhecer em detalhe este lugar sui-generis sempre pode ir à fiável Wikipedia, mas podem-se desde já fornecer, de graça, quatro informações: o peixe é de óptima qualidade; o seu fogo-de-artifício de fim de ano é o maior da América Latina, atraindo milhares de turistas (não sei como cabem ali todos); detém o jornal em língua espanhola com mais anos de actividade ininterrupta; tem quarenta e duas colinas, ligadas entre si por um complexo sistema de eléctricos, teleféricos e escadas. E foi a este assombro arquitectónico que Chris Marker (argumento) e Joris Ivens (realizador) vieram parar em 1962, ano marcado por uma abençoada sentença de Bela Gutmann que persiste em não esmorecer. Documentário com pontuais episódios ficcionalizados, ...A Valparaíso é uma breve e melancólica odisseia pela vida ora terna e divertida ora dura e repleta de obstáculos dos habitantes desta cidade, dualidade observável no prazer que é para as crianças descer e subir aqueles 10 biliões de degraus e pela fragilidade dos velhotes no mesmo processo. Ivens capta pequenos instantes, roupa a ser posta ao Sol, cabazes cheios de peixe, um jogo de futebol na poeira, papagaios atirados ao vento, o talho de nome Buffalo Bill, fugazes momentos de uma terra que segue o seu ritmo e não se resigna à pobreza e aos castigos da natureza. A narração de Roger Pigaut varia entre a escala fúnebre e a escala apocalíptica, o que conjugado com a por vezes melódica e alegre música de Gustave Becerra e as imagens de contentamento das pessoas cria um interessante efeito de contraste entre palavra e audiovisual, contraste que lembra Las Hurdes, de Buñuel, mas pelos motivos inversos, já que aí o narrador debitava calamidades como se estivesse a apresentar o Tv Rural. E como Jerónimo de Sousa, ao pé de Ivens, não é mais do que um Rockefeller, ... A Valparaíso escancara as portas do seu programa quando, numa fabulosa sequência, conta através da arte pictórica a energúmena história dos neo-colonialistas que andaram por estas bandas. Notável.
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