Nippon Konchuki (The Insect Woman), abre com uma sucessão de planos hiper-realistas de um escaravelho a tentar ultrapassar, obstinadamente, os obstáculos que a santa mãe natureza lhe colocou no terreno; não desiste, vai em frente. Assim é Rui, a personagem deste extraodinário filme de Shohei Imamura, o anti-Ozu, que atravessa meio século de evoluções e convulsões na sociedade japonesa, sempre com as relações de poder (mais económico do que de classe) entre as diversas personagens como contexto essencial. O espantoso nesta obra é que, mesmo com duas horas e meia de duração, a narrativa episódica avança a tal velocidade que é um milagre que a estrutura do filme não desabe a esse mesmo vórtice de episódios sobrepostos, constituindo uma relação de total equilíbrio entre o tempo do filme e o que é mostrado nele próprio. O anti-Ozu, então: um crítico norte-americano escreveu que uma das maneiras mais simples de ver a diferença entre o mestre e o seu indisciplinado aluno é na concepção do décor interior: quartos e salas arrumados e aprumados no caso de Yasujiro, dessarumação e caos no caso dos de Imamura, algo visível em Nippon Konchuki, onde cada divisão aparece quase sempre atravancada e repleta dos mais variados pertences. Mas se se fala nas diferenças para com Ozu, não posso deixar de referir as semelhanças (aparte todas as diferenças, como seja a oposição plano fixo/ travellings ou o tratamento do sexo nos dois trabalhos) para com o último Mizoguchi, Streets of Shame, também ele uma dedicatória feminina onde o oportunismo e a aldrabice negocial são indispensáveis para a libertação das amarras do mundo injusto e moderno. Mas em Imamura há muito mais mamalhal, como diria o Valente com a chouriça nos cantos da boca.