08/03/2009

gelado #236


E eu a pensar que duraria um bocadinho mais; afinal a iconografia consta de uns escassos três, quatro segundos. Bom, adiante. O segredo está na entoação, entre o sarcasmo resignado, primeiro, e o pânico da dúvida existencial, depois: a narração de Tom Ewell, voraz e demonstrativa como poucas vezes aconteceu, escapa às tormentas da insuportável verborreia explicativa e torna-se miraculosamente numa obra-prima do cinismo e da insegurança do macho, a contas com uma intromissão na sua regrada vidinha. A América urbana nos anos cinquenta, com os seus lares arrumadinhos e a televisão santa padroeira, numa artificiosa recriação de estúdio, a estalar de corres berrantes e de kitsch, desde as vestimentas de Monroe ao décor da casa de Ewell. No último Ípsilon, Jorge Silva Melo afirma que gosto da crueldade e do Billy Wilder. Mas o Billy Wilder não despreza as personagens; neste filme, depois de todos os fantasmas quase masoquistas projectados pela personagem de Ewell, assiste-se à reconciliação do espírito: o triunfo do conservadorismo e do lema um lar, uma família. Felizmente, isto não é do Adrian Lyne.
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