14/06/2009

Dia Monteiro-3

Em As Bodas De Deus, o João César namora com a vulgaridade.
Talvez seja uma questão de olhar. Para mim o sexo não é ordinário. A vulgaridade sexual não me interessa. O sexo é uma coisa natural.

Mas nunca filma o sexo directamente.
Só filmei uma cena de cama na minha vida: a de As Bodas De Deus. é uma cena a três: a actriz, eu e a sociedade, ou seja, a câmara. Essa cena não foi incómoda para ninguém porque os dois actores não se sentiam incomodados por esse peso exterior.

É uma cena fora do comum.
O que cria um certo mal-estar é a confrontação de um corpo belo com o de uma velha carcaça. Acho que a sequência é bastante chocante. Por causa do meu corpo. É a única razão. Se tivesse escolhido uma beldade como, por exemplo, o Tom Cruise para fazer a lambidela, a cena tornar-se-ia muito confortável para o espectador.

E isso não lhe causou nenhum problema?
Nenhum. Exponho-me. Mostro a minha carcaça. Sou muito modesto. Estou mesmo convencido que é o mais belo nu da história do cinema depois de Auschwitz. Nessa sequência há, obviamente, a memória dos campos de concentração. O que é de escandaloso é a relação do meu corpo com aquela rapariga.

Esse corpo, apesar de ser de uma magreza doentia, está de plena saúde. É incrível: um corpo tão magro e tão activo.
Sou muito tímido. Essa sequência é uma prova de coragem. Não queria falar muito do Serge Daney, mas quando o conheci, ele já estava muito magro, por outras razões, evidentemente. Falámos muito, os dois, de emagrecimento. Contei-lhe da minha dificuldade em frequentar as praias cheias de gente, por ser sempre o mais magro. O Serge propôs fundarmos um clube de magros, para, então, irmos mostrar os nossos corpos nas praias. Se cinco magros fossem à praia em grupo sentir-se-iam menos sós.

É assim, para si, a única maneira possível de filmar uma cena de cama?
É praticamente impossível filmar uma cena de cama. Não conheço nenhuma que tenha resultado. Isso também tem a ver com a colocação da câmara. As cenas de cama, em geral, acabam sempre com piruetas, com a desordem dos corpos, para que o espectador possa ver o que se está a passar. É horrível.


Excerto de uma entrevista de Emannuel Bordeau, saída nos Cahiers du Cinéma nº541, Dezembro de 1999.
Related Posts with Thumbnails