Há uma história extraodinária e divertida com o César que não resisto a contar. Nós fechávamos à quinta-feira e o roteiro do Porto era feito pelo Henrique Alves Costa, do Cineclube do Porto. Ora, naquele sábado, passava no Cineclube do Porto O Recado, do José Fonseca e Costa. Sabendo eu do pó que o João César Monteiro tinha ao Fonseca e Costa, e particularmente aquele filme, recomendei-lhe que não fizesse nenhum comentário, até porque eu também não estava de boa catadura com ele. Bom, ele mandou aquilo para a tipografia e como o dia de fecho era um alívio, convidei-o para almoçar comigo. Lá fomos e no fim propus-lhe que bebêssemos uma aguardente de Valpradinhos, que tinha o condão de mudar completamente os químicos do César.
Quando chego ao "Século" vejo o comentador (ndr: comentador) com aqueles quase dois metros de altura a correr para mim lá do fundo do corredor e a gritar: "Aquele sacana! Não fazes ideia do que aconteceu!" Ele vinha com o primeiro exemplar da revista, ainda a cheirar a tinta. "Já viste o que o César escreveu sobre o filme do Fonseca e Costa?" "Não escreveu nada porque eu disse que não queria sarilhos com o Zé Fonseca." Mas abro a revista e no roteiro do Porto tinha escrito: "O Recado de José Fonseca e Costa: o "cacilheiro" Potemkine atracou no Porto." Fiquei absolutamente doido e vejo o César ao fundo do corredor, qual Nosferatu, a dizer: You can't stop the press, baby.
Fernando Lopes, in "Fernando Lopes Por Cá" (ed. Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, 1996), sobre O cacilheiro Potemkine atracou no Porto, in "Cinéfilo" nº26, 30 de Março de 1974.