Existem aquelas verdades que, ao longo do tempo, se vão incrustando na memória colectiva, como lapas nas rochas (metáfora gratuita da semana, um dia destes estou na Quetzal): O FCP só ganha(va) por causa dos árbitres, o Bouvard et Pecuchet é um dos "melhores livros de sempre", o Dr. House é uma notável série televisiva e muito melhor do que 92% do cinema que por aí se vai fazendo, comer uma cereja depois de beber um tinto é coma alcoólico garantido, e por aí. No cinema, a minha verdade preferida é aquela do Kubrick ser um cineasta frio e cerebral. O mundo parou em Descartes, e ver o cinema de Stanley só com cobertor, cachecol e óculos apoiados na ponta do nariz, numa imersão total de congelamento e cerebralidade. Deixando o cinema de lado por alguns segundos, atrevemo-nos a escrever que vale muito mais a quentura e emoção de uma Jane Campion, ó o ó. Voltando ao cinema, mais concretamente a Peckinpah, a verdade sobre Wild Bunch é esta: filme apenas e só violentíssimo, a aurora do slow motion, a amoralidade das personagens, mexicanos estúpidos. Parece que não há mais nada. Não há, sequer, aquele momento espamoso de tranquilidade e quietude na paz da noite entre Borgnine e Holden, o primeiro envolto num cobertor, o segundo em devaneios da memória, ou a despedida comovente dos "heróis" por entre a turba cantarolante, ou uma das mais fabulosas lições de ritmo dramático na "figura" de um assalto a um comboio. Bem, nem sequer há Robert Ryan, um dos dez ou doze homens mais importantes do século passado. É aquela coisa da câmara lenta, uma caixa de pandora inadvertidamente aberta por Sam, que muito pasto dramático e tenso tem fornecido a retardados mentais televisivos e cinematográficos, e que me parece hoje ( e há um mês também, que foi quando revi o filme) o mais desinteressante e óbvio do filme. Perdão: de um excelente filme. O Dr. House é mesmo muito bom.
Desconheço se Kaleldo (Summer Heat) será uma obra representativa da carreira de Brillante Mendoza, um daqueles nomes que de tempos a tempos é aclamado como "a coisa mais interessante desde a descoberta do fogo", mas não é coisa que me faça perder o sono, ao contrário da renovação do Mariano. Summer Heat é uma estória de telenovela filtrada por uma sensibilidade dolente e repleta de "ambiente", seja pelos inserts dos elementos naturais à David Lynch, seja pela banda-sonora esotérica, um feliz achado que evita as armadilhas do mais básico naturalismo. Não é arty de um realizador desconhecido de um país "esquisito", mas sim uma inteligente obra que, se porventura tivesse nacionalidade portuguesa, seria catalogada de "mainstream" e com direito a publicidade na Sic. Espera-se, então, que Mendonza se torne um nome mais comum nas orações festivaleiras, para ver os apoiantes de hoje a atirarem-lhe pedras no futuro. As filipinas não são más de todo, bem como a comida.
* título que contou com a preciosa ajuda das redacções do Record e do Correio da Manhã. Em troca, foram entregues generosas doses de amendoins.