No auge do caso Padre Frederico, José Vilhena, num dos seus pasquins libertários, tentava obter resposta para uma dúvida pertinente que os oficiais orgãos de comunicação social ainda não tinham esclarecido: afinal, foi o menino que foi ao cu do padre ou foi o padre que foi ao cu do menino? São perguntas destas que fazem mover o mundo, e revelam uma genuína curiosidade pelos acontecimentos da sociedade e que ainda se inserem na nobre tradição do "whodunit" noir. Em Mysterious Skin, embora sem o humor verrinoso de Vilhena, ficamos a saber, em parte, quem foi (de forma pouca ortodoxa, diga-se) ao cu a quem, mas a curiosidade e a ausência de sermão estafado sobre tal traumático tema permanecem, sob um ângulo completamente diferente, é certo, mas permanecem. Não por acaso, as melhores sequências do filme de Araki são as que envolvem o professor e o rapazinho, recortes de um subconsciente infantil, sem julgamentos, sem apologias, sem Daniéis Sampaios e Eduardos Sás, apenas o olhar para algumas coisas do mundo, de frente, que é como muitas das vezes a câmara enquadra as personagens. O trauma está lá, sem dúvida, mas envolto por uma camada melancólica que afasta à chapada a mais óbvia das críticas. Bem haja Araki, e recordando Vilhena, pergunto desinteressadamente se nos recentes casos de pedofilia foi a padralhada que foi ao cu dos meninos ou vice-versa? Perguntar não ofende.
Cockfighter, de Monte Hellman, é um filme banal. Abençoadamente banal. Os diálogos são banais, a fotografia é banal (do banalíssimo Almendros), a moralidade é banal. Até os galos são banais. Não há a sofisticação (aka proeza técnica insípida) que me impingem dia-sim dia-não (literalmente), não existe o desejo de se fazer mais do que se sabe, não há, sequer, estória com sumo aditivo. Em contrapartida, há cheiro a terra e a sangue, um verdadeiro mestrado em 4D (mamã, hoje estreia um novo filme em 3D! Vamos ver, mamã! Vamos! Depois quando chegarmos a casa faço-te um minete, mamã! Vamos! Deixa!) Eram os gloriosos anos setenta. Agora, se me permitem, vou barrar-me com manteiga e vestir as cuecas da minha avó.
A condescendência para com certos filmes (nomeadamente "os de culto) é muito comovente. Como se se estivesse a lidar com um cão sarnento, cheio de pulgas e carraças nas orelhas, coxo, mas muito engraçado. There, there. Vejamos o caso de Faster Pussycat! Kill Kill!. Sim, é uma obra para ver com a unha comprida do dedo mindinho a tirar cera dos ouvidos, com dois pires de tremoços e três grades de mines no sofá, com arroto abundante a acompanhar e insultos às mulheres á fartazana. No caso de ser mulher, veja com um livro da Beauvoir ao seu lado e cuspa grosserias contra os pútridos machos, ao mesmo tempo que reflecte porque é que não tenho um par de tetas assim, para agradar e provocar aos machos, para quando eles me assediarem, eu ter o prazer de os mandar ir bater uma, os pervertidos?. Isto é tudo uma verdade cristalina, mas que não deve iludir o essencial: o filme de Russ Meyer é grande. Grande na magnífica e deliciosa ritualização de cada palavra e na miríade de sentidos que dela advém, grande nos contra-picados anti-verga, grande na majestosidade dos paisagísticos (só batido pelo Ford), grande nos rabos, grande nos decotes. É tudo grande. Não há condescendência que resista a esta grandeza. E ainda: o plus de ter fufas suportáveis, ao contrário das do Death Proof, em cujo filme, infelizmente, só uma metade delas teve o que mereceu.