Inglaterra-Portugal, ou eu já devia estar na cama.
À pergunta "Onde é que você estava no dia 5 de Julho de 1982?", uns responderão "não me lembro, até porque não era nascido", outros "não me lembro, mas acho que estava na praia", alguns "tinha acabado de regressar dos EUA, onde no dia anterior, no meio das festividades, tinha tentado matar o Reagan", aqueloutros " 'tava a ouvir uma K7 dos Spandau Ballet vestido com as plumas da minha mãe", mais outros " 'tava a informar-me com o meu amante sobre o que era aquilo da SIDA, ao mesmo tempo que o enrabava sem camisinha", e uma minoria lembrar-se-à que "estava a assistir à derrota do futebol pelos pés do Paolo Rossi. " E enquanto o Rossi estilhaçava o sambinha brasileiro, eu, provavelmente, dormia de chucha na boca. Ou cagava no penico. Ou cagava no penico de chucha na boca. Ou cagava na cama, a dormir, e com a chucha dentro do penico. E é isto. O mais simbólico acontecimento do ano de graça de 82, relegando para a catacumba da obscuridade acontecimentos menores como a Guerra do Líbano (a do cheiro a carne queimada, segundo o Vasco Câmara, o que não é verdade, e peço já aqui indemnização ao Vasco por me ter dado o trabalho inútil de ter levado para o cinema uma faca, um garfo, uma toalha e uma cerveja Cergal), a estreia de E.T, a chegada de Senhor Pinto à presidência do FCP ou o nascimento de Jessica Biel, e eu sem nada para escrever sobre ele. Uma tragédia. À excepção de me lembrar que, posteriormente, tive uma t-shirt do Naranjito, são estas as minhas não-memórias do primeiro mundial da minha vidinha, o Espanha-82. Quatro anos depois. Mexico 86, Mexico 86, la, la, la...Merece ir preso quem, com a idade mínima de trinta, não se recordar da música deste Mundial, até porque isso significa que na altura já passava o tempo a vestir as plumas da mãe, enquanto ouvia não os Spandau Ballet, mas o The Queen is Dead dos Smiths. O Mundial dos jogos ao Sol. O que elevou um drogado a níveis de idolatria de fazer inveja a um Jesus (os dois). E o do Inglaterra-Portugal, o primeirissimo jogo dos Mundiais de que me lembro (como quem diz. Lembro-me de o estar a ver na tv e da jogada do golo e de uma impressão). Portugal num Mundial: coisa esquisita em 1986. Na ocasião, a percepção que eu tinha da "selecção de todos nós" era proporcional ao meu tamanho: pequenina e coitadinha. Além disso, era uma equipa de carecas ou de bigodeiros, quando não de carecas e bigodeiros, o que não sendo verdade, tinha sido a imagem que dela guardei. Devido à diferença horária, os jogos passavam cá de noite, embora não consiga ter a certeza sobre as horas precisas: dez da noite, meia noite ou uma da manhã é tudo madrugada escura para um puto de sete anos. Na minha ingenuidade e ignorância, pensava na Inglaterra como um adversário temível, capaz de meter medo a um monstro marinho. Ai Cristo ! Ai agora é que eles marcam! Cristo!. Mais tarde vim a saber que era uma equipa formada por um só jogador, Lineker, e dez seres com vagas parecenças a practicantes de um desporto incerto, incluindo o guarda redes Shilton, que terminou a carreira, salvo erro, aos oitenta e dois anos. E se, na altura, o golo de Carlos Manuel a passe de Diamantino pareceu milagre dos três pastoritos, hoje em dia apresenta-se como a ordem natural das coisas; difícil, complicado e vergonhoso será não vencer gajos que se empaturram de bacon, ovos e batatas fritas ao pequeno-almoço. Portugal ganharia aí o seu único jogo na competição. Sucumbiria depois perante o poderoso Marrocos (1-3, com os goleadores marroquinos a tornarem-se, pouco depois, em vendedores de tapetes em Albufeira) e perante a Polónia de Mlynarczyk (0-1). Quanto à Inglaterra, fez o costume: nada.
Acima, foto da equipa que jogou contra os "qué frô?". Em pé, da esquerda pá direita: Frederico, Jaime Magalhães, Oliveira, Álvaro três pés Magalhães, Damas. Em baixo, da esquerda pá direita: Inácio, Jaime Pacheco, Sousa, Gomes, Futre, Carlos Manuel.
Próximo: Argentina-Camarões, ou já lã vão dois minutos de jogo e o Maradona ainda não fez hat-trick.