Junho de 1990. Contam-se os dias para as grandes férias. O muro tinha caído há meses, o comunismo de leste desintegrava-se em pó, Saddam preparava uma invasão histórica, e a Vanda, da mesa da frente, começava a desenvolver uns apreciáveis apêndices mamários. Passados uns anos, foi para a Suiça. Há dezasseis anos que não a vejo. Pelo meio chamou-me de paneleiro, só porque eu, todo coninhas, não lhe apalpava o rabo como faziam os outros meninos da turma. Entretanto, havia um Mundial de Futebol na agenda. Itália-90, o da Alemanha sem RFA e/ou RDA, o da revelação de Baggio, o do sexagenário Milla, o das palhaçadas de Higuita e do cometa Totò Schillaci, o do pior escrete de sempre e o do glorioso catenaccio, e não menos importante, o que me fez gastar as parcas semanadas em camiões de cromos Panini, tarefa inútil, pois o número 365, o Santo Graal da colecção, nunca me foi parar às mãos. Ainda me calhou um malote e uma bola. Jogo inaugural em Milão: Argentina, campeã em título, vs Camarões, uma dessas selecções com os seus duzentos Traorés, trezentos Diarras e um Roger Milla. A equipa de Maradona e mais uns quantos encontrava-se num patamar mitológico, sendo a preferida de quase toda a pitalhada. Estabeleciam-se apostas para qual o resultado ao intervalo. 7-0 aos vinte minutos. 6-1 à meia hora, depois do Caniggia ter marcado um autogolo aos três minutos, para dar mais luta. O massacre seria inevitável, contra um grupo de jogadores que tinha como hobby predilecto lutar em pelota com crocodilos esfomeados. Uma questão de minutos. Minutos que foram passando e passando e passando. Maradona a arrastar-se, Caniggia a chupar os dedos lambuzados em coca, Rugeri a coçar a barba, golo dos Camarões. De um gajo chamado Obinbiqui ou Bikiniki ou o caralho. Elevou-se a três metros de altura e cabeceou para galinha monumental do Pumpido. Já tinha assistido a coisas inacreditáveis no futebol, como o Benfica em duas finais da Taça dos Campeões, mas nada superava aquilo. Escandaleira da grossa. Apesar de tudo, a Argentina chegaria à final (depois de mandar para casa o Brasil e eliminar a Itália...em Nápoles), perdendo-a depois para Lothar Matthaus e demais SS. Maradona, logo a seguir, deixaria a carreira de futebol e tornar-se-ia agiota da Camorra. Durante três anos, pelo menos, houve duas pessoas e um urso que juraram a pés e pata juntos que o tinham visto com o nariz despoluído. Foram internados num edifício panóptico. Os Camarões continuariam a surpreender, com um Roger Milla estelar a passar a ferro tudo o que lhe aparecia à frente, um exemplo feliz para o Mantorras. Quando se aguardava a sua tranquila passagem para as meias finais, foram eliminados por uma inesperada Inglaterra, proeza digna de um Benim vencer um Mundial. Terminava aí a aventura dos Traorés, dos Diarras e dos Bikinikis ou Obkizikinis ou o caralho.
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