E se no Itália-90 a Argentina era a escolha da criançada, o equipamento mais desejado para envergar na rua e fazer inveja aos outros era o da Alemanha. Por isto, surgiram contradições sartrianas no dia da final, quando sujeitos com a mannschaft colada ao corpo gritavam a plenos pulmões "rebenta-os em três, Dieguito!". Fundo branco percorrido por três listas na diagonal. Gosto pela estética minimalista? Respeito e homenagem pela reunificação iminente? Nunca cheguei a saber, até porque o gajo que mais o usava, que desgraçadamente não me alembra agora o nome, jamais deu resposta para esse mistério da vida. Em vez disso, mandou-me uma pedra aos cornos, quando uma vez na praia lhe roubei a bola. Anyway, Alemanha-Holanda, oitavos-de-final. Ou Inter de Milão-Milan, se se preferir. Brehme, Matthaus e Klinsmann de um lado. Gullit, Van Basten e Rijkaard (os três melhores do mundo) do outro. Derby europeu de memórias e motivos extra-futebolísticos. Derby local. A Holanda, campeã europeia dois anos antes, chegava até este jogo a jogar à Santa Clara. Tinham trocado um treinador de futebol, Rinus Michels, por um Leo Beenhakker, um tipo que nos anos setenta, provavelmente, terá pertencido a uma banda glam. Eram os favoritos à conquista do ceptro, mas entretanto, na véspera da partida para a Bota, o ex-cantor de Glam deu autorização aos seus jogadores para passarem umas horas divertidas pela zona turística de Amesterdão. No primeiro treino, o Rijkaard perguntou ao Van Basten como é que ele se chamava e tentou trincar a bola. Não espanta, por isso, que tenham levado uma tareia dos rivais, perdão, dos inimigos. Uma tareia futebolística sem apelo nem agravo, como ficou comprovado pelo score (2-1). Eu escrevo tareia, mas não faço ideia se tal tenha acontecido exactamente assim. Estes posts têm apenas um critério: respeitar recordações e impressões fragmentadas de certos jogos e de algumas coisas a eles associados, num certo tempo e espaço. Se aparecer por aqui alguma mentira, que se foda. Já o outro dizia que a lenda era muito mais interessante que a realidade. Por exemplo, neste momento exacto não faço a mínima de quem marcou os golos. Voller? Klinsmann? O Guido Buchwald, que nos tempos livres era o baixista dos Def Leppard? Ou o Wouters, que mais parecia um daqueles rednecks, que passa o tempo na mesa de bilhar e sempre com a bejeca na palma da mão? Estas informações seminais encontram-se à distância de um ou dois cliques. O que não precisa de clique para me informar é a escarra do Rijkard. Em cheio nas trombas do Voller. O Voller também foi expulso, pois ao que parece tinha dito ao Frank, nas barbas do árbitro, que foi pena não vos termos mandado para debaixo de água. Todos. Mulheres, crianças, velhinhos. Putas. Todos. O árbitro tinha um daqueles aparelhos que se usam na ONU, como a Nicole Kidman no The Interpreter, um Pollack menor, mas sempre mais interessante do que um pintelho amarelecido da Campion. A Holanda voltava a falhar nova final mundialista. Já lá vão trinta e dois anos, desde aquele em que o General Vilela via os jogos , na tribuna presidencial, com um contador no regaço, e que o ia informando em tempo real sobre o número de desaparecidos: 30, 40, 456, 7.000, 34.000...A Alemanha faria o Tri. Seria a última vez que teria mais do que quatro jogadores juntos a saber driblar. Klinsmann (51), Brehme (84), Koeman (89).
Próximo. Nigéria- Bulgária ou como ser gozado durante um dia inteiro por algo que não se viu.