Nestes tempos de Planos de Austeridade, chips nos automóveis, comissões de inquérito e restante lixeira para nos foder o bolso, a privacidade e o juízo, ainda é no futebol que se pode encontrar algum alívio humorístico. Como aquele praticado pelas capas dos "jornais desportivos", que de há tempos para cá arranjaram novos termos: agora jogador tal já não está "preso por detalhes" para se transferir para tal clube, não não, agora o clube tal "avança" por jogador tal, e "ataca" jogador tal. Se não "avança", "ataca", e se não "ataca", "avança". E então, logo pela manhã, o Zé Povinho sai apressado da cama, aproveita para derreter a mulher à porrada, porque o café estava frio, e sai para a rua, onde encontra o quiosque do shôr Manel, que lhe diz que hoje o seu clube não avançou nem atacou ninguém, por isso não gaste aqui os seus trocos, guarde-os para comprar pão, que dele bem precisará nos próximos meses. E o Zé lá volta a casa, desgostoso pelo seu clube não ter atacado nem avançado por ninguém, e decide então avançar para e atacar a sua mulher, que mal refeita do enxerto anterior, leva mais um baile de socaria. O outro humor bem interessante tem a ver com algumas previsões pré-Mundial, na qual, imagine-se, alguns analistas projectavam a Inglaterra como uma (senão a) das favoritas a ganhar a taça. Leu bem, caro leitor: a Inglaterra. Aquela equipa de jogadores semi-embriagados, de barriga cheia pelas coxas de frango frito que comem dez minutos antes do jogo começar, de sujeitos que quando juntos (sem a benigna influência da civilização europeia dada pelos Wengers, pelos Mourinhos, pelos Hiddinks, etc) transformam-se num adversário perigosíssimo...para o Butão. O virus da mediocridade é tão poderoso que mesmo os três únicos jogadores de futebol que por ali andam (Rooney, Lampard e Terry- não, aquele touro com cérebro de ervilha que joga no Liverpool não entra nestas contas) teriam de prestar provas ao Vilafranquense se por lá passassem agora. Dizem que ainda podem ganhar o Mundial. Pois podem. A Coreia do Norte também. Mas deixemos de falar da selecção inglesa, e abordemos o futebol. Da Alemanha, em concreto. Agora que voltou a ter, pelo menos, quatro jogadores (cinco, já que o Ozil vale por dois) que conseguem encarar uma bola de futebol como uma amiga e não como um mero dispositivo mecânico cuja função é ser vergastado com electricidade proveniente da energia neuronal, nada melhor do que recordar um tempo em que a Alemanha ainda tinha quatro jogadores, pelo menos, que conseguiam encarar uma bola de futebol como uma amiga, mas que devido ao cansaço acumulado por cerca de milhares de jogos em conjunto, já a tratavam como um mero dispositivo mecânico cuja função era ser vergastado com electricidade proveniente da energia neuronal. A Alemanha do Mundial-94 era uma selecção a que os "jornalistas" desportivos de agora classificam como estando em "fim de ciclo". Matthaus, Buchwald, Moller, Kohler, Voller, uma miríade de magnífcos que já vinha desde o Mundial de 1954, uma máquina que já deixava entrever fios cheios de ferrugem e um cheiro a enxofre que nem se podia. Era o fim de festa de uma geração, um espectáculo tão decadente como o baile de nazis paneleiros do The Damned viscontiano. Depois de tanto futebol insosso, chegaram aos quartos e foram para o caralho das budweisers, graças a um golo do Stoichkov e a uma cabeçada furiosa de Letchkov, o gajo mais parecido com aquele tipo que no Ed Wood tenta passar pelo Bela Lugosi, sim esse, o do braço a tapar a cara. Uma desgraça, pois nesse Alemanha-Bulgária de 10 de Julho de 1994, a casa estava, novamente, a abarrotar de familiares, que não gostavam da Alemanha, porque eram todos nazis e muito maus, e por isso gritaram os golos búlgaros como se fossem do Brasil, ou mesmo de Portugal. E a mim só me faltou chorar, porque a Alemanha foi a selecção que decidi apoiar entre 1990 e 1996, baseado não sei em quê, e nem o Kostadinov no outro lado poderia impedir esse facto. E pronto.
Próximo: Brasil-Holanda ou o ciclo dos dez anos.