Stagecoach é um rico catálogo de memorabilia cinematográfica, um best of das mais belas cenas da história do cinema, desde o zoom mata-cavalos na direcção de Ringo Kid, até à gentil perseguição na cerca, passando por um extraodinário interlúdio onde nada se passa, quando, silenciosamente, a câmara ronda os personagens no interior da carruagem, e que culmina naquela singela e elucidativa troca de olhares entre Trevor e Wayne. Mas o ainda mais impressionante acontece na perseguição dos Apaches ao Homem Civilizado. Como diria mestre Mourinho, em condições normais é a melhor sequência de acção do cinema norte-americano. E em condições anormais também. Ajuda a paisagem, um deserto livre de empecilhos paisagísticos que abafem a clareza da dramaturgia, mas qualquer um dos irmãos Scott seria capaz, com todo o brio, de destruir um filme, mesmo com essa vantagem pelo seu lado. Essa meia dúzia de minutos é um legado de Ford à Humanidade, o de que por mais planos e ângulos que se usem ( e o picado sobre os cavalos? Jasus senhor) o objectivo passa sempre por dar a ver, sem a tentação de ai ai, agora vem aquela parte dos caos, deixa-me ir apanhar parkinson com a minha avó, volto daqui a duas semanas, quando já 'tiver infectado, e depois já posso ser o operador de câmara nesta cena de caos e violência, há que mostrar o caos, há que ser caótico. E também uma prova de que a dimensão temporal não está em linha recta, do passado para o futuro, antes revolvendo-se em diversas amplitudes que escapam à compreensão humana, daí, clara e obviamente, esta sequência ter sido a influência decisiva para as escadas de Odessa de Eisenstein. Não deixemos de notar, no entanto, que Ford também foi beber a outrem, nomeadamente a Cameron do Terminator 2.