Estava eu a ler a passagem de Sodoma e Gomorra, quando me veio à vontade o desejo de ver o Star Trek, o do gajo que criou aquela série (mais estimulante que 90% do cinema actual!) onde um conjunto de invertebrados perdia-se em Santa Cona da Mata Real. Em boa hora surgiu tal desejo, pois após uma boa sucessão de grandes filmes vistos e revistos, não há nada como descer à terra e reflectir: já me esquecia que a humanidade é uma coisa piolhosa. Então, despojado de preconceito, juro, comecei a ver o dito. Cedo percebi que estava na presença de uma ode à recontextualização à la siècle XXI: gajos novitos a mandarem piropos a gajas jovens de mini saia e fartas mamas. Uma atitude prudente do senhor Abrams, não vá a juventude ficar perplexa por não se reconhecer na tela, os rebeldes. Depois, é só contar os degraus da tijoleira universal da imagem e som do siècle XXI: cenas no interior de uma nave constituídas apenas e só por travellings curtíssimos, para criar "frisson"; constantes reflexos de luzinhas, para vermos para onde foi parar o dinheiro, ai que modernidade; impossibilidade permanente de se saber onde acaba o espaço de um objecto e onde se inicia o de outro (volta McTiernan, e até um Brakhage parece clássico ao pé desta mistela espacial); pancadaria sonolenta, banda-sonora filha-da-puta (assassínio dos Beastie Boys em andamento), humor abaixo de cão (Verhoeven, faz-me um filho) e o Eric Bana que vendeu a alma ao Demo. Uma caganeira de fealdades sem fim. A não ser que a) seja um Trekilândio que sabe de cor o tamanho da unha do dedo mindinho do pé esquerdo do capitone Kirk, b) escreva, num jornal diário, uma coluna de Tv e simule ser crítico de cinema às sextas, ou c) tenha o grau de exigência de um chimpanzé, e ainda d) tudo isso junto e mais alguma coisa, não estou a ver como é que algum cidadão recenseado possa apreciar esta "obra-prima absoluta" (b).