05/09/2010

1984.

O 1984 orwelliano é uma daquelas obras que, finda a sua leitura, provoca no leitor uma ligeira percepção diferente do mundo. Pelo menos durante trinta segundos. Passado esse tempo, lá se volta ao rame-rame da vidinha, colocando-nos questões tão importantes como a de saber se um editor de jornais desportivos consegue dormir em paz depois de escassas horas antes ter escolhido manchetes para os seus cagalhões de papel. O 1984 fílmico, de Michael Radford (o do filme do Neruda! Fujam!- grita a plenos pulmões um jovem trintão neo-liberal um minuto antes de escrever mais um post ou um artigo sobre o par de tetas da Scarlett Johansson ou sobre essa ciganada que foi corrida, e muito bem, pelo Dr. Sarkozy) não alcança tamanha façanha, mas it's pretty good. Concentra-se no essencial do livro (e daí que alguém possa ver aqui nada mais do que uma homenagem académica ás "ideias" base daquele) e tenta transplantar para a tela a ambiência de opressão vs liberdade (os travellings aéreos sobre o local de trabalho, os silêncios nas ruas hediondas, pernas de dois amantes entrelaçadas) , o que consegue, não sem alguns pirlimpimpins de poesia, como os planos dos sonhos verdejantes de Winston Smith, tão bem explanados nas letras do George. Richard Burton está, minha mãe, simplesmente brutal de contenção (imaginei um O'Brien muito mais vigoroso) e o John Hurt está com trinta quilos. Parece que acabou de sair do Lux. O último plano (equivalente literal à última linha livresca) merece entrar para o panteão dos "mais belos momentos de derrota na História do Cinema".
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