Quando, após uma longuíssima e extasiante perseguição voyeuristica, peeping tom e o seu objecto se encontram num túnel à beira da praia, e se começam a enrolar, e a câmara inicia a rota dos 360º, e o décor à sua volta se vai alterando, então, nessa altura, eu não pude deixar de sentir que estava a ser gozado sem a mais leve sombra de pudor. Acendi um cigarro, sorri e pensei: dá-me mais, Brian. Com mais força. Esse plano é só o mais escandaloso momento de Cinema (ultraje!) de um filme que cospe cinefilia hitchcockiana a cada segundo que passa, um mishmash de Vertigo e do Rear Window para a era do softcore, dos cabelos à Roxette, dos sintetizadores (banda sonora de Pino Donaggio a condizer) e da branca (ah, eram os anos 80, e este é o filme preferido do Patrick Bateman e a cona da mãe aos saltos). Há panorâmicas e movimentos de grua a revelar o que parecia não ser (primeiros cinco minutos puros de Palma e a mentira das imagens), há planos gerais porque sim, há claustrofobia em vez de vertigens, há a Melanie Griffith com menos uma tonelada, há máscaras, é chungaria , é gratuito, é glorioso. Homens a perseguir mulheres: não é preciso mais nada para se fazer um filme. Bom, talvez uma câmara (era atirá-lo ao fogo!). Segundo a escala Alberto Seixas Santos, Body Double estreou sete anos antes de o cinema ter terminado.