Que Tarantino tenha o bom senso de não desvirtuar por um único segundo a iconografia dos créditos iniciais. Afinal de contas, é um remake.
31/08/2008
gelado #60
The idea that there exists a democracy of images, that one image is no more or less valid, interesting, and worthy of note than any other possible image, is in direct contradiction of so many of the norms of modern culture that, even today, it remains a radical statement. Godard's assertion that stories and characters can be abandoned to study the leaves on a nearby tree, or the swirling rings stirred up by a spoon in a coffee cup, is radical because it steps away from the conventions of Hollywood film and the aspirations of classical art alike; both of these venerable cultural institutions aim to create images that are potent, memorable, and intrinsically interesting. Godard, who had always recognized that boredom could be just as "interesting" as activity, here goes even further, positing still more unconventional equalities: between narrative and abstraction, between beauty and the prosaic, between reality and fiction, between people and objects, and, in a clear forerunner of his later films, between sound and image. Only the Cinema
Em Ed Wood, um decrépito Bela Lugosi, sugere a um apressado e diligente Ed qualquer coisa como isto: Para quê tanta pressa? Porque não filmar o viúvo a mexer delicadamente nas flores?
28/08/2008
gelado #58
Gostaria de ver o romance A Peste Escarlate, do Jack London, ser adaptado ao cinema em dois volumes. Gostaria, ainda mais, que o primeiro ficasse a cargo do Lisandro Alonso, e o segundo do Steven Spielberg. Filmados ao mesmo tempo.
gelado #57
Ontem, na Rtp Memória, passava um Benfica-Beira-Mar em basquetebol, data de 1993 ( o Carlos Lisboa, ao que parece, tinha 1.88, e eu que sempre pensei que ele não chegava ao 1.75). Na zona de lançamento livre, um grande quadrado a fazer publicidade à marca de cigarros SG. Em pleno recinto desportivo, santuário da pureza saudável. Foi belo de se ver.
gelado #56
Andam a brincar com os meus impostos forma com Um Salazar em cada esquina e Vão pá vossa terra o triunvirato dourado da gíria indignatória da língua portuguesa. Na já mítica reportagem sobre a ante-estreia de Branca de Neve, lembro-me de ver duas tiazinhas de cabelo oxigenado (parece que o JCM conhecia a Paula Bobone, por isso não nos admiremos) a brandirem palavras furiosas sobre o filme, com o inevitável recurso à menção dos "impostos"; como se sabe, durante um mês só se falou de "impostos", da obra muito pouco. Nos últimos dias, em maré olímpica, lá voltou o fandango dos "impostos" e da brincadeira que aqueles mandriões dos atletas andaram a fazer com eles, "impostos" de gente trabalhadeira, honesta e com muita integridade. Estranho que seja só em relação a estes dois items (cinema português e atletas olímpicos portugueses) que a populaça cuspa "impostos" e "contribuintes" da boca pra' fora; a maioria não deve sequer saber quem são os realizadores, actores ou o nome dos atletas, mas bastam umas vozinhas levantarem a poeira dos "impostos", e lá vem o maralhal atrás, com a puta da conversa dos, adivinharam,..."impostos". Continuo à espera que um destes dias (posso esperar três anos, no máximo) a turba comece a acusar a Rtp de andar a fazer peão dos seus, isso, "impostos", com aquelas novelas, concursos e séries históricas de "prestígio" a rebentarem de merda fresca. A verdade, é que também eu não resisto: a partir de agora, vou apontar o dedo a quem diz ou escreve "andam a brincar com os meus impostos" de andar a brincar com os meus impostos.
25/08/2008
gelado #55
Sem o incêndio do Chiado, nunca teria visto Monteiro, fardado à GNR e de aprumo autoritário, a subir a plataforma das obras que ligava a Rua do Carmo à Garrett.
24/08/2008
gelado #54
"'What you tend not to see are films on black people radiating in the pleasure of their success and telling their stories,' he said. 'You come to the point whenever you see a black person on television, it's either a comedy or some tragic issue being spoken to. You wouldn't think that black people could get through a competently managed day, let alone being successful at it.'"
Elvis Mitchell.
23/08/2008
gelado #53
Das duas vezes que vi The General, a minha face mostrou-se tão expressiva e eufórica como a do realizador e principal actor do filme; nenhum esgar, nenhum franzer de sobrolho ou sequer um esboço de princípio de sorriso. Sim, atirem-me agulhas, pedras ou mesmo o Mendes Bota para cima, mas não acho nenhuma piadinha física à maioria da "comédia" de Buster Keaton, o que não invalida, portantos, que o possa considerar como um dos maiores de toda a eternidade, inclusive do Século XX. A admiração pela inteligência, pela infinita capacidade de criar sucessivas ideias em sucessivos momentos, pela ironia e, até, pela férrea perserverança da personagem quase não me deixam espaço para bellys laughs, ao contrário do que acontece com o outro fabuloso da época ou com o senhor que estará em destaque mais abaixo. Contemplo e aprecio uma grande obra, não um filme de fazer rir; não será por acaso, com certeza, que Keaton nunca teve o sucesso comercial a toda a escala de Chaplin. O génio e a universalidade estão reservados para muito poucos.
O leitor com certeza que conhecerá alguém que, tendo o café ou o Pingo Doce a menos de trezentos metros de casa, prefira ir até lá de carro do que exercitar a marcha; imagino, presumivelmente, que essa pessoa seja mesmo o leitor, um repugnante e nojento preguiçoso que mereceria passar um ano inteiro a ler o Avante!. A obsessão com o automóvel, movida pela sua utilidade e/ou status que produz, cujo resultado está espelhado na enorme quantidade de formigas a quatro rodas que viajam pelos alcatrões rodoviários mundiais, leva-me a estranhar que não ocorram mais situações como a descrita no fotograma de Trafic exibida aí acima: um choque de chapa e pneu que se transforma numa hilariante coreografia de bailado catastrófico. Trafic, a ressaca artística (e financeirra) do colossal desastre de bilheteira de Playtime, que deixaria Jacques Tati com dívidas em barda, configura mais uma saborosa sátira ao mundo tecnológico e ás suas virtudes e defeitos, tendo desta vez como alvo o carro, esse imprescindível diamante a motor, consagrada máquina da aldeia global ( no filme, todos falam várias línguas, um matafórico sinal já daqueles tempos). Como em Mon Oncle ou Playtime, mas com uma maior modéstia artística compreensível, Jacques vai distribuindo falhas e faúlhas na oleada e indiferente mecânica moderna, e elas surgem ou de forma abrupta e isolada ( um telefone que emite um estalido) ou em continuum, como todas as sequências de uma exposição automóvel, saturadas de subtil slapstick, e que poderiam estar para Trafic como o monumental episódio do restaurante esteve para Playtime, se Tati não as entrecortasse com a outra (e principal) narrativa que se vai desenvolvendo. Há uma ou outra graçola mais óbvia, o que não deslustra a personalidade de um filme brilhante no modo como expõe o ridículo inerente ao mais trivial (quando se pára na estrada, o que se costuma fazer com o indicador?). O final é sublime, uma pacífica (?) resignação (?) ao poderio industrial. E depois há a chuva.
The General- ****
Trafic- ****
18/08/2008
gelado #52
Alinhavo (há imenso tempo que desejava conjugar o verbo alinhavar) estas palavras a cerca de uns escassos duzentos metros (ou a menos de vinte segundos de distância, segundo a medida de tempo Usain Bolt) de um arraial de Agosto. Os emigrantes estarão por lá, na sua engomada roupa domingueira, a barraca das farturas e do algodão doce cumprirá o ritual de todas as festas, uns dançarão, outros passearão e outros foderão num qualquer beco, o som das colunas do artista pimba convidado estoirará os ouvidos das velhinhas colocadas à beira do palco, seduções movidas a gasóil de imperiais acontecerão, e, quiçá, alguém começará um pequeno texto sobre um filme fazendo um genérico levantamento sobre os prováveis episódios desse arraial. Meu querido mês de Agosto, dizem uns, o mês mais cruel, dizem outros indivíduos, ou até mesmo o Pacheco Pereira; já lá vai o tempo em que laureava a pevide pelas quentes festas em honra de uma Nossa Senhora qualquer, mas sempre que me deparo com uma certa e extraodinária sequência de Sapatos Pretos, ganho súbitos desejos de emborcar quatro bagaços e meter-me à louca no meio de um bailarico popular. Para quem foi ou ainda é habitué de tais divertimentos, só pode felicitar João Canijo pela fiel captação da atmosfera e do ambiente que é estar num lugar daqueles, com as bojardas masculinas em regime de metralha, as roupas apraltadas, respeitáveis e novas, o entusiasmo altamente profissional da banda musical, aquele cheiro a febra e coirato a pairar no ar: meu rico e adorado Portugal, pra quê medalhas olímpicas, quando temos o odor a febra e a coirato a pairar no ar? Prometi a mim mesmo que não iria chorar. Por mais imperfeito que ache o filme (sobretudo o completo artificialismo das personagens e da relação de Ana Bustorff e João Reis, que me parece um completo resquício da mítica femme fatale vs gajo ingénuo, com tiques e toques absurdos no contexto espacio-temporal de Sines), distingo em Sapatos Pretos a vontade em encontrar a mais adequada expressão visual para representar o Portugal do desenrascanço, da banha da cobra, dos copos e das pevides, dos dramas de faca-e-alguidar e dos assassínios passionais, o Portugal do Correio da Manhã e do Crime. Uma estilização excessiva e hiper-realista, pensarão alguns, mas para mim a mais certeira ferramenta imagética tendo em conta os assuntos em questão. Sapatos Pretos forma, com o mais previsível Conte d´été, o meu outro filme de Verão. O arraial continua.
Sapatos Pretos- ***
gelado #51
Dúvida existencial do Verão de 2008:
Se os records são estabelecidos para mais cedo ou mais tarde serem batidos, por mais impossível que tal possa vir a suceder, isso quer dizer que chegará o tempo em que um humano fará os 100 metros olímpicos em 1 segundo?
16/08/2008
gelado #50
Eamon Sullivan, Aaron Peirsol, Jason Lezak, Alain Bernard, Cesar Cielo Filho, Arkady Viatchanin, Matt Grevers, Hayden Stoeckel, Ryan Lochte, Kosuke Kitajima, Hughes Dubocsq, Milorad Cavic, Lászlo Cseh, Lisbeth Trickett, Natalie Coughlin, Federica Pellegrini, Pang Jiaying, Rebecca Adlington, Katie Hoff, Kirsty Coventry, Maggie Hoelzer, Leisel Jones, Rebecca Soni, Mirna Jukic, Stephanie Rice, etc.
Até há uma semana atrás, exceptuando o sujeito da foto, esses nomes eram-me tão familiares como os termos científicos das plantas do deserto australiano. Neste momento, acho que até sei de cor a altura, o peso e a data de nascimento de alguns deles. Nos próximos quatro anos, vou-me estar a cagar olimpicamente para cada um. É o que faz aderir a um desporto não por um interesse verdadeiramente genuíno e desinteressado, mas antes por moda. Por mais que se leia Popper, e Ramonet, e Debord, não se resiste. E o sujeito da foto há uma hora e meia venceu a sétima medalha de ouro, e eu estou a teclar num portátil com um biscoito em cima da mesa; é uma questão de escolhas.
11/08/2008
gelado #49
O que eu gosto mesmo, mas muito mesmo, além de uns belos croquetes produzidos por uma senhora mais do que estimável, é quando nos editoriais dos jornais desportivos se pede "mais calma, ponderação, primazia da razão, e não a tentação de (a) ceder aos mais viscerais impulsos emotivos da turba ululante. " Pra limpar fogões: não há nada melhor.
gelado #48
Lembro-me muito bem da morte de John Fitzgerald Kennedy, tão bem como se tivesse ocorrido há somente quarenta e cinco anos. Estava eu tranquilamente a escovar o pêlo do Heitor, um puro sangue lusitano, na fazenda do Dr. Mulher, meu pai, que ele possuía perto de Barrancos, quando o meu mais velho, então com dezasseis anos, se aproximou da minha beira, resfolegando como um lunático, tendo só ao fim de uns quantos segundos afirmado, entre choraminguices, "Mataram-no!". Quase desfaleci, e ao Heitor por pouco não acontecia o mesmo. De visão turvada, entrei em casa do Dr. Mulher, meu pai, e deixei o meu mais velho prostrado na lama do estábulo a gritar "Mataram-no!" desalmadamente. Aferrolhei a porta de meu quarto, e telefonei imediatamente ao Chico António, um amigo de infância que trabalhava há meia dúzia de anos na valorosa P. Aos gritos e aos soluços, seguiu-se este diálogo: "Mataram-no, Chico! Os lagostins...foram os lagostins?" "Ah?" "Vou liquidar um por um!" "Oh homem, de que fala?" "O Dr.! Que vai ser de nós? As províncias, o cardeal C., a ordem, o Henrique Mendes, o Solnado...vai tudo abaixo!" "Calma, calma. Quem morreu foi o JFK, esse lagostim." "Ah, bom. Domingo vai à Luz?" "Vou, vou. Cinco-a-zero é derrota contra aqueles javardolas do Norte. Vou ter de ir, tenho um trabalhinho em espera ali na Maria Cardoso." "Está. Até Domingo, e desempenhe com a mais alta distinção essa sua tarefa." Muito mais aliviado, agarrei no chicote, pertença do Dr. Mulher, meu pai, saí do quarto, e voltei ao vestíbulo, onde o meu mais velho continuava a clamar aos céus "Mataram-no!". Sem o avisar, desbastei uma chicotada nos costados, e outra, e mais outra, e depois na barriga e nas pernas. "A chorar pelo lagostim, hem? Vou-te rebentar em três, ou não seja eu filho do Dr. Mulher, meu pai, teu avô, sogro da minha mulher, irmão da minha tia, tio da prima Maria José!" O meu mais velho foi parar ao hospital, onde esteve em repouso três semanas, mas a lição foi-lhe deveras proveitosa: actualmente, neste hediondo mundo sem leis e sem pulso firme, ele é um dos top minds dos bravos do Compromisso Portugal, e unha com carne com pessoas da mais alta estirpe como o Dr. Rui Ramos ou o Dr. Luís Campos e Cunha. Aníbal de Sousa Mulher, Croniquetas imemoriais de um reaccionário alfacinha, pp. 117-118, edição Novi Sad.
Acamado, vítima de suores frios e febres quentes, que soube estarem relacionadas com as capas da a A Bola nos últimos dois meses, a audição excessiva (e involuntária) de Kizombas e Kuduros numa certa praia, e uma crescente alergia à nobre expressão "direitos humanos", que tem fuzilado os media nos últimos dias, mesmo assim aproveitei para ver uma ou outra reprodução de filmes, um dos quais Report, do recentemente malogrado Bruce Conner. Michael Phelps, o Bob Dylan da natação. Conner, artista dos mil e um ofícios, um dos pais do famigerado videoclip musical, reúne neste seu trabalho um acervo de imagens de arquivo agrupadas de forma aparentemente disjuntiva e estilhaçada, um caleidoscópio audiovisual que evita a compreensão televisiva e socialmente aceite da morte de Jack K. Repetindo até à exaustão as mesmas imagens do cortejo presidencial antes, durante e logo depois dos tiros da CIA, perdão, do Oswald, escurecendo o ecrã até não restar mais nada senão o relato radiofónico dos acontecimentos, cruzando fragmentos de JFK com visualizações díspares, desde touradas a explosões e a vacas a pastar, o Michael Phelps acaba de ganhar mais uma, desta vez em colectivo Conner retira ao espectador a possibilidade de estabelecer um nexo causal neste caos formal, um significado natural, precisamente o que a televisão tentou oferecer ao povo inculto, e que aliás continua a oferecer. É como se o filme estivesse sempre um passo bem à frente do observador, que, coitadinho, apenas pode desejar que o Phelps ganhe as oito medalhas sem espinhas efabular sobre o eterno mistério da morte de John. Report é uma obra sobre a realidade, confusa e ambígua como ela sempre foi. Oh cum cabrão, agora 'tá a dar judo.
JFK tem tantas semelhanças com Report como assombrosas diferenças. Por um lado, há a mesma montagem em curto-circuito quase permanente, empregue sobretudo na explanação final no tribunal (lágrima), com planos a chocarem uns nos outros de maneiras que nem o próprio Sergei imaginaria serem possíveis. Mas, e este mas é tão grande que daria para completar uma volta ao corpo do João Gobern em de meia hora, o que Conner quis deixar fora de campo, esconder dos sentidos, é o leitmotiv de Oliver Stone: escavar, escavar, escavar, até já não existir a mínima dúvida sobre o porquê, como, quem, onde, quando relativos à morte do berlineiro. É fácil não gostar de JFK, como é facílimo não gostar de nenhum dos filmes de Stone ( e eu, exceptuando este, não gosto de mais nenhum na sua totalidade), tal é o pasto verborraico a servir de combustível para a esquerda anti-americana, ou a grandiloquência histérica de certos momentos-chave, como se o cineasta precisasse de reforçar ainda mais por imagens e sons o que já é suficientemente grave e perturbador sem intervenções artísticas. Contudo, como escreveu Roger Ebert, prefiro moods a cauções de verosimilhança históricas, e portanto, venham de lá esses moods, pois é isso que me faz gostar bastante do filme. Remeto o ponto de vista de Oliver para segundo plano, e satisfaço-me antes com a sua obsessão, o modo sem freio como vai tecendo datas, assuntos, acontecimentos, pessoas, uma teia e um turbilhão de informação que jamais me chateia por um segundo que seja. Alguém tem o número de tlm da Telma Monteiro? E depois há aquela hora final, thriller, suspense e gloriosa demagogia lacrimejante, vista e revista dezenas de vezes, com especial enfoque na parte Green, Green...or Abort, Abort! O meu pai, que por acaso não é Mulher, na primeira vez que viu o filme, terminava cada sentença anti-fascista de Jim Garrison/Kevin Costner com sonoros "pois claro, pois claro, é isso". É prestígio, mas do muito bom (acho eu). De bom grado apanharia porrada da Telma.
Report- ***
JFK- ****
Michael Phelps- *****
Telma Monteiro- *****
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