23/02/2009

gelado #223

1) Também conheço um certo tipo de "jornalismo" (generalizemos, pois então) em Portugal para quem uma "realização competente" (alguém me pode explicar o que é isto?) e uma "grande performance de actores" é o suficiente para se entrar em combustão espontânea de delírio e euforia de "obras-primas". Atrever-me-ia a sugerir que se é apenas isso que procuram, então que fiquem pelo teatro (iria também sugerir que o Mendes, aparentemente um mestre do ofício teatral, permanecesse por lá durante muitos e bons anos, mas eu jamais faria tal coisa, porque sigo regras inflexíveis de conduta ética), nobre arte da representação. Anda assim, envolta nesta confragedora pobreza argumentativa e neste desamor pela Sétima Arte, o "jornalismo" português. Adenda: mais lugares comuns populistas à la carte. Sirva-se, freguês.

2) [...]. Ontem, o tribunal deu por provado que um dos guardas, dias antes de permitir a visita amorosa, recebeu do preso [na cadeia de Elvas], condenado a 17 anos de prisão, o cheque que a mulher lhe endereçara dias antes. O dinheiro tinha como fim possibilitar a prática de relações sexuais entre a mulher e o homem que, anos antes, lhe assassinara o marido. [...]. Público, 18/02/09.

João Canijo chamado à recepção, antes que o cineasta Valente pegue nisto e transforme o Granger no preso, o Luís Esparteiro no guarda, a Cláudia Vieira como a mulher, e o inevitável Breyner como director da prisa.

3) As narrativas são rudimentares e comandadas pela identificação simplista apelando ao voyeurismo congénito do espectador, apregoando o triunfo de uma gramática primária: hipertrofia do grande plano, indigentes campos, contracampos, movimentos de câmara que tentam desesperadamente tornar grandes coisas que são ninharias, iluminação uniforme e monótona empastelando tudo, incapacidade de pensar e relação entre a luz e a sombra. E os seres humanos que deviam habitar essas luzes e essas sombras aparecem despojados da sua dignidade, do seu sangue, da sua vida, transformados em apenas "mercadoria", coisas a vender, "enxûndia!".

Excerto do artigo Sócrates e os empreiteiros publicado hoje na página 33 do Público, e assinado por João Botelho, Alberto Seixas Santos e José Nascimento, membros da Associação Portuguesa de Realizadores. Uma pergunta apenas: não foi o Botelho que há cerca de dois anos tentou jogar este jogo?
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