25/05/2009

vergas



Corpos musculados em contorcionismo exibicionista, gags visuais com erecções, uma boca a jorrar abundante sangue, marinheiros Adonis e selvagens, uma escultura de uma mão com o dedo do meio amputado, Fogo e Luz: imagens e motivos simbólicos que poderiam estar presentes numa crónica Belanciana, mas que afinal se encontram no avant-garde seminal de Fireworks, curta-metragem de um então adolescente Kenneth Anger. O mais desassombrado fetichismo acoplado a um comentário político sobre a beleza da juventude, a intolerância sexual e, segundo o próprio realizador, o 4 de Julho. Planos desvanecidos em luz difusa, música de um romantismo maldito, e situações que devem ter influenciado qualquer cineasta que se tenha aventurado nos mundos do onirismo sem chave facilmente descodificável. Uma pequena obra-prima para saunas e para fascistas recalcados. Kenneth tinha dezassete anos: eu, aos dezassete anos, andava mais preocupado com os golos do Jardel e o rabo da Patrícia, Deus Nosso Senhor a proteja onde ela estiver.

Se Fireworks foi a revelação, Scorpio Rising, dezassete anos depois, foi a consagração, a obra-prima das obras-primas de Kenneth Anger. Para mim, contudo, foi apenas a causa de uma tremenda dor de olhos. Eu já aqui escrevi uma vez que tá lixado comigo qualquer filme que me canse a vista, tenha ele a importância que tenha. Dos trinta minutos de Scorpio, os últimos vinte foram passados em agonia visual, e só os continuei a ver para poder aqui escrever isto que estou a escrever. O primeiro terço do filme é, digamos, óptimo: recupera-se o fetichismo de Fireworks em doses ainda mais cavalares (desta vez com mecânicos, oh la la), com icónicas canções de pop pastilha-elástica que, descontextualizadas da sua origem e juntas ao que vemos, adquirem um requintado sabor irónico e perverso. O mesmo para o uso de imagens de marca do histerismo feminino (Dean, Brando). E depois a implosão. De sons, imagens, simbolismos, um corta-e-cola a mata-cavalos que deu de papar a muita arte do videoclip e da MTV. Vi o filme há três dias e dessa implosão já pouco me lembro, ou lembro-a como me recordo da passagem pelo jardim escola, em fragmentos perdidos lá para as santas conas do assobio cerebrais. Motas, mais violência sexual, paralelismos entre os rebeldes de sessentas e Jesus Cristo, e as irónicas bubblegums: é uma montagem tão voraz e agressiva que me provocou não só a tal dor como, ainda pior, a indiferença. Obviamente, o rolo-compressor de cultura popular de Anger tem a sua influência e importância intactas. Para bem (literalmente) da minha saúde, nunca mais o espero ver.
Related Posts with Thumbnails