Nippon Konchuki (The Insect Woman), abre com uma sucessão de planos hiper-realistas de um escaravelho a tentar ultrapassar, obstinadamente, os obstáculos que a santa mãe natureza lhe colocou no terreno; não desiste, vai em frente. Assim é Rui, a personagem deste extraodinário filme de Shohei Imamura, o anti-Ozu, que atravessa meio século de evoluções e convulsões na sociedade japonesa, sempre com as relações de poder (mais económico do que de classe) entre as diversas personagens como contexto essencial. O espantoso nesta obra é que, mesmo com duas horas e meia de duração, a narrativa episódica avança a tal velocidade que é um milagre que a estrutura do filme não desabe a esse mesmo vórtice de episódios sobrepostos, constituindo uma relação de total equilíbrio entre o tempo do filme e o que é mostrado nele próprio. O anti-Ozu, então: um crítico norte-americano escreveu que uma das maneiras mais simples de ver a diferença entre o mestre e o seu indisciplinado aluno é na concepção do décor interior: quartos e salas arrumados e aprumados no caso de Yasujiro, dessarumação e caos no caso dos de Imamura, algo visível em Nippon Konchuki, onde cada divisão aparece quase sempre atravancada e repleta dos mais variados pertences. Mas se se fala nas diferenças para com Ozu, não posso deixar de referir as semelhanças (aparte todas as diferenças, como seja a oposição plano fixo/ travellings ou o tratamento do sexo nos dois trabalhos) para com o último Mizoguchi, Streets of Shame, também ele uma dedicatória feminina onde o oportunismo e a aldrabice negocial são indispensáveis para a libertação das amarras do mundo injusto e moderno. Mas em Imamura há muito mais mamalhal, como diria o Valente com a chouriça nos cantos da boca.
31/01/2009
gelado #204
É do mais elementar senso-comum que quando se apanha um monstro de vinte metros à frente, a primeira coisa que se faz é agarrar na câmara e apontá-la na direcção do senhor, de preferência com a possibilidade de construir um "bom enquadramento", como diriam uns certos professores de merda que conheço. Foi, obviamente, o que eu fiz numa certa ocasião, tendo desprezado coisas triviais como saúde física e vida em prol de um bem maior: um enquadramento bonito de um mostrengo. Estava eu na Avenida das Índias, num tórrido dia de chuva, a elaborar umas repérages para um documentário sobre um tipo que estava na Avenida das Índias a elaborar repérages para um documentário, quando, vindo do Terreiro do Paço, ouço um estouro muito forte e de seguida o elevar de fumaça, com gritaria como fundo sonoro. " Ou foi a extrema-esquerda, ou foi a extrema-direita, ou finalmente os islâmicos se dignificaram a chegar cá", pensei, enquanto corria para o local do acidente com o peso de uma mini dv na mão e uma mochila nas costas. Felizmente, andava sempre preparado para uma ocasião destas, e se os meus pressupostos estivessem correctos, nada mal me aconteceria, pois na mochila levava: um disco do Fausto dos anos setenta, mais um livro de poemas do Ary Dos Santos e ainda uma bandeira israelita e uma caixa de fósforos; o Triumph des Willens, uma colectânea de textos de Ezra Pound e Heidegger, uma bandeira israelita e uma caixa de fósforos; um autógrafo do Tarik Sektioui, um fio de cabelo do Rushdie e a bandeira israelita mais uma caixa de fósforos. Com a língua de lado, corria contra a abrasadora precipitação, até que quando já estava no Cais do Sodré, o Alexandre Valente começa a correr ao meu lado, de tronco nu e a comer uma chouriça. Olhei em volta mas não vi nem o Breyner nem aquele par de mamas com um bocado de carne atrelado, vulgo Cláudia Vieira. Ui mãe, dizia ele, com a boca repleta de chouriçada, espero bem que estejam por lá muitas miúdas com as roupas rasgadas pela explosão. Mais mamalhal, caralho!, gritava, com a baba a escorrer pelo corpo e para cima do chouriço, que logo o levava à boca, cuspindo para o chão o que não gostava, todo um espectáculo de nojo que me fez vomitar já estávamos quase a atingir o local do acidente. Foi então que vi o adamastor de vinte metros, a cuspir a estátua do D. José para cima das duas colunas , que mais uma vez voltariam a obras, e um espectáculo de horror por toda a praça: Dr. Vasco e Dr. Rui Ramos agarrados um ao outro, roupas poeirentas, chorando ajoelhados no chão e dizendo nesta praça só acontecem desgraças!, a cabeça de João Moutinho separada do corpo, o que me levou a considerar que talvez desta vez o tivessem mesmo morto, e dezenas de pilhas e pilhas de cadáveres, o que só demonstrava a eficácia e rapidez dos serviços municipalizados. Concentradíssimo na minha tarefa, comecei a filmar o animal, que subia pelas pernas do monstro com a chouriça pendurada num canto da boca; ia de forma lenta, o que me permitia fazer um tilt muito bem composto e sem muita tremideira. Abrindo a bocarra do gigante, que parecia divertido com aquele aparato, o Valente perguntou para as entranhas do mesmo se HÁ POR AQUI MAMALHAL?. O Valente não mais se viu, e a seguir seria a minha vez de ser caçado pelo mastodonte, com a minha última visão a recair no Dr. Ramos a dizer ao Dr. Vasco "agora eu faço de Rei, tá bem amor?". Perdido nas vísceras da criatura, dei de encontro com o Alexandre, que me perguntava, enquanto vasculhava a tripa alheia, se não tinha visto mamalhal e o Pedro Lima por aí. Disse-lhe que não, mas que ainda nos faltava ir ao intestino grosso. Demos um abraço sentido e partimos em busca dos preciosos artefactos. Ainda hoje o fazemos.
Bazin a cuspir terra no túmulo, Godard a fazer uma doube bill Schindler's List/Munich, Picolli ganha cabelo: Cloverfield foi o número três para os Cahiers de 2008. Não faço a mínima ideia do porquê deste delírio da prestigiada revista para com o filme de Matt Reeves, mas tenho a mais leve suspeita da principal razão que me levou a gostar dele: um monstro numa cidade (ainda por cima Nova Iorque), tão simples quanto isso. Os meus graus de exigência para com filmes de monstros são baixos, e se ainda por cima eles vêm sob o registo reportagem filmada, então a escassa resistência que ofereço esvanece-se de vez. Obra dos tempos modernos, essa da obsessão e vício em registar tudo o que aparece no campo de visão, tem um problema de verosimilhança (por vezes o monstro desaparece assim sem mais nem menos da acção, num espaço e tempo bastante reduzidos: será que foi dormir? jogar uma sueca?) e um desejo de contar uma história de amor maior que a vida que descamba para os clichés do costume, embora com uma intensidade dramática sempre interessante. Mas os seus primeiros trinta, quarenta minutos, onde primeiro passa nada e depois passa tudo, agradaram-me pelo contraste absoluto entre a captação de banalidades e a filmagem de visceralidades do extraodinário num mundo bem real; e como Reeves sabe uma das regras cinematográficas, o outro está sempre além, fora de campo ou desfocado.
23/01/2009
gelado #203
More shadows, you sons of bitches!
Val Lewton.
Val Lewton.
Estaria tentado a escrever que todos os filmes de terror deveriam ser como The Seventh Victim, mas depois lembro-me que também aprecio, para grande preocupação do médico pessoal que não tenho, de uma boa pratada de gore com uma subtileza tão subtil que para a encontrar é necessário recorrer ao uso de uns óculos especiais apenas disponíveis numa ocularia ali na Rua da Graça e alguém que me faça parar de escrever porque senão conto aquela vez em que (censurado). Portanto, uma situação muito semelhante com a doentia superfície desta obra de Val Lewton (produtor-autor como poucos), que encarregou o capataz Mark Robson de ser o seu homem no terreno. Em esparsos setenta minutos e com uma dezena de personagens, o horror de The Seventh Victim não provém de cenas-chave associadas habitualmente ao género, mas sim da desolação interior de algumas personagens que o habitam em estreita relação com os espaços vazios do décor urbano, características bem mais próximas do film noir, por mais sobrenatural (embora sugerido e predominantemente psicológico) que exista por lá. Um filme onde a malaise e o cinismo acabam finalmente por vencer as résteas de esperança depositadas num poeta-detective e numa jovem moça, pirilampozitos ao redor de uma escuridão total. E como isto é Lewton vintage, convém relevar um espantoso plano numa casa de banho, trabalhado com a velhinha e sempre eficaz sombra; é como se a "Mãe", em vez de a espatifar, se pusesse a falar com Marion Crane do outro lado da cortina.
gelado #202
Kevin B. Lee, crítico que viu o seu trabalho totalmente apagado do you tube por questões autorais, não dá a outra face. É capaz de existir algum sarcasmo. Kelike para aumentar.
gelado #201
Nomeações para a 81º edição da magia do cinema e da celebração da história do cinema.
Relacionado: inanidades có (s)micas no cinema2000. Adivinhem quem...isso mesmo, Sérgio Santos. Sem mais delongas,
Também gostava que aquele filme português do mês de agosto tivesse sido nomeado para a categoria de melhor filme de língua não inglesa, mas é triste, nós nunca havemos de passar do mesmo.
adenda: consultar também, na mesma ficha (secção notícias), as letras de Filipe Nunes,
Ledger dá-nos uma interpretação fabulosa que pode ter muito bem contribuído para a sua morte tal é a densidade e complexidade da personagem.
19/01/2009
gelado #199
Antes de enveredar pelos seus famosos e jupiterianos planos-sequência, Bela Tarr notabilizou-se, na fase inicial da sua filmografia, por apresentar realistas dramas domésticos segundo os preceitos da Escola de Budapeste, ou por outras palavras, crises de auto-estima e frustracção nas classes baixas numa Hungria sufocada pela pobreza através de métodos cassavetianos, embora Tarr tivesse afirmado que nunca tinha visto nenhum John antes destes seus primeiros filmes. Panelkapcsolat (The Prefab People), o primeiro trabalho com actores profissionais, é um lugar escuro e desprovido de optimismo, onde se assiste ao corroer e à degradação de uma relação familiar por entre as ruínas da sua miserabildiade social. Uma mulher e um homem querem mover-se, mas permanecem enterrados no pântano. O preto-e-branco granulado e a câmara sempre muito próximo dos actores acentuam o caos e a desolação destas vidas cinzentas, em que a crueldade da hipocrisia se faz mais sentir numa longa (longa de mais até, o único ponto frágil da obra) sequência de um baile, episódio que deveria ser sinónimo de alegria e festividade. Como terapia de alívio após o visionamento de The Prefab People, aconselha-se um double-bill Naked/Secrets and Lies.
gelado #198
Pode especular-se que, lá para 2040, (...) a longevidade média [do ser humano] poderia passar para 125 anos ou mais. Marcelo Gleiser, Filósofo.
Antes de morrer, espero ver um [telemóvel] na mão de cada adulto e da maioria das crianças do mundo (...). Keith Devlin, Matemático.
Num artigo sobre o que vai mudar no mundo, publicado no Público de 15/01/2009.
Se essas duas previsões se concretizarem, o futuro não muito distante será um lugar medonho para se viver. Um mundo onde biliões e biliões de pessoas, cada vez com menos espaço para se movimentarem, terão cada uma o seu brinquedo. O silêncio torna-se artefacto pré-histórico e provavelmente quem o quiser desfrutar numa cabina do silêncio terá de desembolsar uns bons patacos. Os toques polifónicos ouvir-se-ão por toda a Via Láctea. Nossa Senhora da Boa Hora.
gelado #197
As dinâmicas do futebol português:
FC. Porto beneficiado pelas arbitragens
-reacção de benfiquistas e sportinguistas: é o sistema, é a promiscuidade, é o crime. Pinto da Costa é a reencarnação de Al Capone, o futebol está podre, isto só lá vai com quatro 25 de Abril.
-reacção de portistas: os outros também são beneficiados e nós já fomos muito prejudicados.
-reacção de portistas: os outros também são beneficiados e nós já fomos muito prejudicados.
Benfica beneficiado pelas arbitragens
-reacção de portistas e sportinguistas: Salazar está de volta, bem como Cerejeira, as províncias ultra-marinas e Henrique Mendes. O clube do regime volta a dominar o futebol português. Isto só lá vai com dez chaimites.
-reacção de benfiquistas e da A Bola: os outros também são beneficiados e nós já fomos muito prejudicados.
-reacção de benfiquistas e da A Bola: os outros também são beneficiados e nós já fomos muito prejudicados.
Sporting beneficiado pelas arbitragens
-reacção de portistas e benfiquistas: choramingam, choramingam, mas também são levados ao colo. Golo de Vuckevic em Vila do Conde a maior fraude desde Alves dos Reis. Abaixo a betaria e os apelidos Albuquerque e Dinis. Isto só lá vai com a revolução do proletariado.
-reacção de sportinguistas: os outros também são beneficiados e nós já fomos muito prejudicados.
-reacção de sportinguistas: os outros também são beneficiados e nós já fomos muito prejudicados.
Fodam-se todos.
16/01/2009
gelado #196
Parece que a edição deste ano do Paris-Dakar passou por Valparaíso, cidade portuária chilena, e local onde nasceu onde um certo ditador muito admirado por um determinado grunho que neste momento destreina uma das equipas de topo da Premier League inglesa. Quem quiser ficar a conhecer em detalhe este lugar sui-generis sempre pode ir à fiável Wikipedia, mas podem-se desde já fornecer, de graça, quatro informações: o peixe é de óptima qualidade; o seu fogo-de-artifício de fim de ano é o maior da América Latina, atraindo milhares de turistas (não sei como cabem ali todos); detém o jornal em língua espanhola com mais anos de actividade ininterrupta; tem quarenta e duas colinas, ligadas entre si por um complexo sistema de eléctricos, teleféricos e escadas. E foi a este assombro arquitectónico que Chris Marker (argumento) e Joris Ivens (realizador) vieram parar em 1962, ano marcado por uma abençoada sentença de Bela Gutmann que persiste em não esmorecer. Documentário com pontuais episódios ficcionalizados, ...A Valparaíso é uma breve e melancólica odisseia pela vida ora terna e divertida ora dura e repleta de obstáculos dos habitantes desta cidade, dualidade observável no prazer que é para as crianças descer e subir aqueles 10 biliões de degraus e pela fragilidade dos velhotes no mesmo processo. Ivens capta pequenos instantes, roupa a ser posta ao Sol, cabazes cheios de peixe, um jogo de futebol na poeira, papagaios atirados ao vento, o talho de nome Buffalo Bill, fugazes momentos de uma terra que segue o seu ritmo e não se resigna à pobreza e aos castigos da natureza. A narração de Roger Pigaut varia entre a escala fúnebre e a escala apocalíptica, o que conjugado com a por vezes melódica e alegre música de Gustave Becerra e as imagens de contentamento das pessoas cria um interessante efeito de contraste entre palavra e audiovisual, contraste que lembra Las Hurdes, de Buñuel, mas pelos motivos inversos, já que aí o narrador debitava calamidades como se estivesse a apresentar o Tv Rural. E como Jerónimo de Sousa, ao pé de Ivens, não é mais do que um Rockefeller, ... A Valparaíso escancara as portas do seu programa quando, numa fabulosa sequência, conta através da arte pictórica a energúmena história dos neo-colonialistas que andaram por estas bandas. Notável.
15/01/2009
gelado #195
For those who have never seen any, or have barely heard of him except as a footnote to Wilder’s or Sturges’ or De Mille’s careers, this is an unprecedented opportunity to discover the works of a forgotten master and some of his masterworks. I envy you the pleasure of seeing some of these movies for the first time. Is there is anything more rewarding for film lovers and cinephiles than discovering still another rich chapter of film history that was previously shrouded in darkness, in a vast history still full of dark pockets and as-yet unilluminated treasures?*
* Não. E o No Man of Her Own foi o filme que mais gostei de ver nestes primeiros quinze dias de 2009.
gelado #194
E eis que Sérgio Santos volta a vislumbrar com mais um conjunto de belíssimas atoardas. Uma mina de ouro. Vislumbremo-nos, então, com o seguinte conjunto de palavras vislumbrantes contidas na ficha de Transporter 3:
Quanto a “Transporter 3”, é um filme muito na linhagem dos dois anteriores. É detentor de muita acção, efeitos especiais e cenas de vislumbrar qualquer um. No entanto, penso que estes filmes podiam possuir uma maior duração. O primeiro tem 92 minutos. O segundo tem 87 minutos e o terceiro tem 100 minutos. Mais vinte minutos a cada uma das películas e seria o perfeito. Mas, pronto, não se pode pedir tudo para um filme, seja ele qual for. Gostei muito deste filme. Espero sinceramente que não façam um quarto filme, como estão a pensar fazer com “Spider Man”, porque eu penso que a maioria das sequelas deviam ficar como trilogias.
10/01/2009
gelado #192
Todos os crimes cinematográficos deveriam ocorrer como o da sequência prisional de La Mariée était en noir. Antecipa-se um crime não pela recusa da rotina quotidiana da cadeia, com as suas sopas e comidas entregues, mas precisamente o contrário: é o detalhe da acção banal, do som banal, que vai instaurando a dúvida e a pele de galinha na cabeça, nos ombros e no maxilar esquerdo do espectador. Sem pressa e sem precipitações, a câmara lá vai seguindo os guardas na sua tarefa, até que surge o plano com um careca. Fazemos a conta de somar e dois+dois=quatro; apenas imagens a contar uma estória. O fora de campo, então, apenas confirma que já não precisamos de ver mais nada, pois o crime já tinha acontecido na nossa mente um minuto antes. Um momento anti-século XXI.
gelado #191
Over the years I' ve come to believe that any CEO or journalist who refers to Welles as "Orson" is automatically untrustworthy.
Rosenbaum, como o Dr. Vasco ou o cardeal Pacheco, é uma daquelas pessoas que me irrita mesmo quando concordo em absoluto com o que escreve/diz. Para desenjoar da felicidade natalícia, decidi dar a mim mesmo esse livro, que reúne alguns dos (melhores) textos marxistas/sociais/económicos/políticos/cinematográficos (por esta ordem de prioridades) que o decano escreveu ao longo de dois séculos, com especial enfoque na era Chicago Reader.
gelado #187
A nova rubrica Inanidades có(s)micas no Cinema2000 dá hoje o devido relevo a Sérgio Santos, que nos brinda, na ficha de Aquele Querido Mês de Agosto, com uma obra-prima da contradicção e também da parvoíce:
Conheço pessoas que viram o filme e gostaram e conheço pessoas que o viram e detestaram, conheço ainda outras pessoas que gostaram mais ou menos. É um filme português, eu ainda não o vi por isso, não me vou prenunciar, mas penso que não deve ser nada de especial.
gelado #186
1- (...)" a dor física, para poder ser considerada como tortura, deve ser equivalente, em intensidade, à dor que acompanha ferimentos graves, tais como a falência de orgãos, o comprometimento de funções corporais ou mesmo a morte. Para a dor puramente mental ou o sofrimento constituírem tortura (...) deve a mesma resultar em danos psicológicos significativos com um duração significativa, isto é, que durem meses ou mesmo anos".
O conceito de tortura adoptado, em Agosto de 2002, pelo assassino Donald Rumsfeld, então Secretário da Defesa do assassino (oh, ele é apenas um ser humano "como as pessoas", com as suas falhas, ingenuidades e enganos) Bush. Continuam cidadãos livres.
Lido no Público do passado dia 3 de Janeiro, em Viagem à tortura com regresso à civilização, de Francisco Teixeira da Mota.
2- Talvez não esteja longe o dia em que uma conversa íntima num quarto seja efectuada com o recurso a megafones.
05/01/2009
gelado #185
Há um portento de chiaroescuro (parece que todos os noirs se encontram neste plano), há uma maravilha de enquadramento, mas o que mais impressiona no plano final de The Big Combo é a sua vertente púdica e a alusão a uma elipse, cuja consequência jamais será conhecida pelo espectador. No primeiro caso, depois da tensão amorosa/sexual acumulada durante todo o filme entre Cornel Wilde e Jean Wallace, esperar-se-ia, segundo os cânones, ou a tragédia ou o beijo, mas Joseph H. Lewis e argumentistas optaram por outra via, muito mais poética e serena: o caminho a dois, sem haver contacto, rumo ao nevoeiro, uma projecção num futuro cheio de incertezas, que isto não é dramazinho e todos viveram felizes para sempre. Não há morte do mau que possa salvaguardar a segurança dos tempos que aí vêm; há quem chame a isto cinismo, outros realismo, e outros ainda a vidinha de todos os dias. Um final realista, ou metaforicamente realista, ou o que lhe quiserem chamar, para uma obra onde o sentido de justiça apenas dá lugar a uma, aparente, contemplativa resignação. Não é por acaso que Lewis filma tudo isto com plano fixo.
gelado #184
gelado #182
O actual segundo classificado da Liga está em construcção.
Se o actual segundo classificado da Liga vender o inenarrável Di Maria (outro em construcção) por mais de dez milhões de euros para qualquer clube do hemisfério ocidental, a transferência daquele gajo cujo nome não se pode pronunciar do FC Porto para o Internazionale deixa de ser o mais brilhante negócio da História do futebol português desde o negócio Farense-King-actual segundo classificado da liga portuguesa.
02/01/2009
gelado #181
Nós de monóculo e de cachimbo, elas de franja e meias ás cores, todos numa agradável tertúlia urbano-burguesa. Jarmusch é um dos maiores do mundo, diz uma, com as mamas descaídas até ligeiramente acima do joelho. Tremo, movo-me no banco, limpo o suor da testa e da face, consulto o relógio de bolso, volto a colocá-lo no colete, tento desviar a conversa perguntando pelos resultados da Bolsa de Tóquio, mas nada resulta, continua à mesa o Jarmusch, um dos maiores do mundo. A rebentar de ansiedade, levanto-me e afirmo, com um murro na mesa: Sim, dos maiores! Riem-se, para meu alívio. Talvez não tenham dado pela cobardia. Depois acordo, e vejo que a esplanada continua repleta. O primeiro acto de Dead Man é extraodinário, fazendo jus à fama de minimalista, sardónico e neto de Keaton que o cineasta granjeou ao longo da sua obra; a demorada viagem de comboio de Depp (com Crispin George McFly Glover, um dos mais "estranhos" e escandalosamente sub-aproveitados actores norte-americanos dos últimos vinte anos), a sua chegada à javardeira anti-mítica do Oeste, e as cenas com Hurt e Mitchum na metalúrgia são momentos de memorável recato estilístico, com o registo silencioso da acção a ser quebrado apenas com o recurso a diálogos bizarros e interessantes. E há a envolvência provocada pelo absoluto contraste entre o aprumo civilizacional de Depp e tudo o que o rodeia, uma quase marca registada do actor com Burton. Mas depois acontecem uma série de coisas: Mitchum desaparece, Johnny mete-se nos bosques, aparece um indío ocidentalizado, há fade ins/outs a cada minuto, aforismos nativos amontoam-se uns em cima dos outros e, cereja podre no topo do bolo com caruncho, a música de Neil Young não pede licença a ninguém, destruindo a quietude de cada plano com uma fúria de bulldozer. Desde a fuga de Depp para os bosques selvagens não há mais nada a não ser um raccord muito simbólico com a primeira sequência do comboio, quando aquele via a paisagem a partir da carruagem. Ah, vejam como o Homem se transforma num Animal. E os episódios com o Iggy Pop e entre o bando de assassinos são apenas isso, episódios à solta. À cacofonia visual, sonora e significativa dos últimos dez, quinze minutos só falta uns inserts de um indío à volta de uma fogueira num ritual xamântico. E depois atrevem-se a falar do The Doors, do Stone. E a fotografia artística do Robby Muller que me vá lamber o cu. Mas a primeira meia-hora é extraodinária.
gelado #179
Algures em inícios de 80. Warhol. Spielberg. Os dois juntos na cama. there’s a high chance a few things got ingested before this begins.
gelado #178
Com o novo ano, uma nova rubrica. A partir de hoje, este blogo irá prestar um especial tributo aos escritos surreais/humorísticos dos cinéfilos do Cinema2000, um serviço público que já tardava. Para a desejável regularidade da iniciativa será necessário que as inanidades jorrem a bom ritmo. Não nos desiludam. Para começar, um escrito de zepedro221 na ficha crítica de Austrália. Atente-se na profunda dialéctica existencial do ze, a contas com uma luta entre os seus diversos alter-egos:
Filme inovador, mas ao mesmo tempo banal.
Conta a história de uma paixão, Hugh Jackman e Nicole Kidman em prestações miseráveis.
Acaba por ser uma excelente fusão de vários géneros.
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