De todos os artigos e comentários lidos, vistos e ouvidos sobre a morte de Jacko, há a ressaltar um elemento positivo: ninguém se atreveu a descer até aos abismos de "a música acabou". Na maioria deles estão presentes os habituais panegíricos e as tentativas de "descodificar" a persona (quando não em versão apologética), com a coisa quase a descambar para o abismo com a fanfarra de "a morte de uma era", o que é mentira, pois ainda resta a "artista conceptual". Mas nada de "a música acabou". Devem estar a guardar-se para o Dylan. E no caso da "artista conceptual" vs João Lopes, não irá ser apenas a música que verá decretada a sua morte. Isso será o menos, pois será a própria composição molecular dos seres vivos e do José Manuel Delgado que terá o seu óbito. Teremos dez milhões de anos de escuridão. Restam-nos escassas três décadas, no máximo.
27/06/2009
não não, Seijun Suzuki é que é o Presidente da Junta (e Larry Clark o Ministro da Educação).
Não admira que Kitano tenha em Seijun Suzuki uma das suas principais influências: montagem elíptica, burlesco desbragado, a que Suzuki acrescenta, em The Flower and the Angry Waves, um xarope de irrisório melodramatismo. É uma obra bem mais acessível do que o outro filme que vi dele, Branded To Kill, prodígio de delirante abstraccionismo. Utensílios sonoros a funcionarem como gags, o estúdio trabalhado como um recreio de escola a faíscar de peripécias infantis, e um silencioso japonês mascarado de Zorro; e depois amandam-me à cara a quincalharia das Séries Z e X. Está bem. Cheguei a um ponto de The Flowers and the Angry Waves em que já não fazia a mínima do que se estava a passar; permaneci apenas com o essencial, planos e sons provenientes de uma mente sem correntes. O homem ainda está vivo e a filmar.
Larry Clark é um hipócrita de merda, mas um hipócrita com talento (desigual). Já o estou a imaginar no plateau de Bully, observando os seus jovens actores e divagando mentalmente: Esta juventude, não há respeito, ninguém os guia...hum...que belo cuzinho...estão perdidos na sociedade...nhami, esse topzinho fica-te tão bem...exibicionistas alarves...ui, abre as pernas Bijou...moralmente abjectos....Nick, esses divinais abdominais, mamo-te todo...alguém que chame o Dr. Daniel Sampaio! É assim Bully, com o seu moralismo falso e ridículo (para dar milho aos pardais da mensagem, presume-se) a carburar em toda a sua desgraça no final do filme, cacofonia de grandes planos de pais atónitos com as acções dos seus filhos (o próprio Clark aparece por lá). Uma explicitação moral que não estava presente, por exemplo, em Kids, apesar da foda entre Jason Pierce e Chloe Sevigny já sugerir "ai a irresponsabilidade desta pequenada!". Kids, então: se aí a visceralidade da câmara móvel era perfeita para o retrato e acompanhamento do imediatismo e liberdade daquelas personagens, o mesmo registo falha em Bully, pois a maior sopa dramática e argumentativa deste precisava não só de maior classicismo como de, perdoem-me pelo que vou escrever, poesia visual; o realismo de Bully não é enérgico, mas apenas pouco imaginativo. Retém-se os minutos de pouco antes e pouco depois do clímax, conjunto de personagens inertes a repetirem frases e acções. O resto é pintelheira.
"Só leio os críticos da Time Out e a Ana Markl"- comentador Vasconcelos.
Este breve texto deveria ser redigido algures entre Outubro e Março, quando as praias do nosso querido Portugal não vêm vivalma, à excepção de solitárias canas de pesca com pessoas atreladas. Mas nessa altura eu posso já pertencer a outro mundo, e assim perder-se-ia para todo o sempre o precioso conselho que se segue. Cidadão e cidadã, se está necessitado de uma frutuosa relação afectiva ou se simplesmente deseja uma noite de escaldante fodanço, não perca mais tempo a ler o pravda ou a Happy Woman e compre um cão. Preferencialmente de raça e grande. Depois, entre os meses citados, leve-o(s) -melhor ainda se forem dois ou mais- para uma praia (se tiver uma à mão) espaçosa na maré baixa, entre a tardinha e o lusco-fusco, e reze para que alguém do sexo oposto (aos gays sugiro jardins e gatinhos) tenha tido a mesmíssima ideia. Você nem precisa de fazer nada, evitando assim o constrangimento de uma possível perda de face. Limite-se apenas a ver os respectivos cães brincarem e cheirarem o cu uns aos outros, para que a conversa se inicie com prazer. Tony, Tony, não morde a cadela da menina!. Com subtileza, acentue a palavra morde. Boa sorte para o seu affaire ocasional ou para o amor. O fiel amigo. Acho que vou desmaiar.
Isto sim, isto é que é importante.
24/06/2009
Phantom. 30. Janeiro. #23. final do ano. ou. Limb. Bat for Lashes.
Dia Monteiro-4
Há uma história extraodinária e divertida com o César que não resisto a contar. Nós fechávamos à quinta-feira e o roteiro do Porto era feito pelo Henrique Alves Costa, do Cineclube do Porto. Ora, naquele sábado, passava no Cineclube do Porto O Recado, do José Fonseca e Costa. Sabendo eu do pó que o João César Monteiro tinha ao Fonseca e Costa, e particularmente aquele filme, recomendei-lhe que não fizesse nenhum comentário, até porque eu também não estava de boa catadura com ele. Bom, ele mandou aquilo para a tipografia e como o dia de fecho era um alívio, convidei-o para almoçar comigo. Lá fomos e no fim propus-lhe que bebêssemos uma aguardente de Valpradinhos, que tinha o condão de mudar completamente os químicos do César.
Quando chego ao "Século" vejo o comentador (ndr: comentador) com aqueles quase dois metros de altura a correr para mim lá do fundo do corredor e a gritar: "Aquele sacana! Não fazes ideia do que aconteceu!" Ele vinha com o primeiro exemplar da revista, ainda a cheirar a tinta. "Já viste o que o César escreveu sobre o filme do Fonseca e Costa?" "Não escreveu nada porque eu disse que não queria sarilhos com o Zé Fonseca." Mas abro a revista e no roteiro do Porto tinha escrito: "O Recado de José Fonseca e Costa: o "cacilheiro" Potemkine atracou no Porto." Fiquei absolutamente doido e vejo o César ao fundo do corredor, qual Nosferatu, a dizer: You can't stop the press, baby.
Fernando Lopes, in "Fernando Lopes Por Cá" (ed. Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, 1996), sobre O cacilheiro Potemkine atracou no Porto, in "Cinéfilo" nº26, 30 de Março de 1974.
22/06/2009
ah!, a aldeia, o ar livre, os passarinhos...
A versão sonora de City Girl, penúltima obra-prima de Murnau, está perdida para todo o sempre. Agora era o momento para o cinéfilo se queixar, clamando contra a vida injusta e madrasta para os génios, queixando-se de uma sociedade que tanto permite o desaparecimento de umas dezenas de filmes do Mizoguchi como o impedimento do Fernando Fragata de viajar até Guantánamo, por actividades cómico-terroristas audiovisuais. Ainda bem que está perdida, e espero que jamais a encontrem, e se a encontrarem, que a utilizem para reciclar. Não sei o que poderia acrescentar/complementar ao sublime silêncio desta obra, uma das últimas grandes do mudo. Começa com uma citação a Sunrise ("o mais belo filme de sempre", afirmação com toneladas de instituição em cima, hoje proferida com a mesma convicção de "o planeta Terra faz parte do Sistema Solar"), mas desta vez não não há dicotomia possível entre a santa pureza do rural e a corrupção moral da vil cidade; é porcaria humana por tudo quanto é sítio, dilacerando a comunhão matrimonial entre Charles Farrel e Mary Duncan (o mesmo par do magnífico The River, de Borzage, outro dos "mais belos filmes de sempre"). Ao chavascal do restaurante citadino, com os seus fumos e carcaças machistas empilhadas umas em cima das outras nos balcões, corresponde a rugosidade dos agriculturos na terrinha, homens que não vêm uma mulher jeitosa há cerca de duzentos anos. O alemão constrói uma dramaturgia pura, baseada nos mais simples contrastes das emoções humanas, bem exemplificada numa dezena de minutos de pasmoso rigor visual, desde a sequência em que os pombinhos correm por campos de trigo (quero libertar o cinema do palco e do mundo) até ao momento em que Duncan se confronta com o pai de Farrel; em pouco tempo, viajou-se de um espectro ao outro da dimensão humana, com um punhado de folhas a simbolizarem essa mesma viagem. Pondo as coisas em pratos limpos: City Girl é de uma devastação emocional que porá a chorar o José Mourinho. Dois anos depois, morria o seu criador, adequadamente numa altura em que a sofisticação do mundo batia as botas. O cinema tinha acabado, segundo nos reportou na altura Alberto Seixas Santos.
bloco central
-Ei, Vasquez, alguém já te confundiu com um homem?
-Não. E a ti?
[...]
Isto é o que acontece quando, em vez de críticos de cinema, se contratam assalariados do PC e da CGTP para escreverem sobre cinema. Os filtros vermelhos barram tudo à volta. Anquilosamento total. Top Gun? Tanto pior se Cazals e Virilio continuarem a pensar assim, vinte e três anos depois. E sim, o Cameron sempre foi um militarista; e depois? Paul Virilio e Thierry Cazals, espécimens da chamada crítica-Quercus.
18/06/2009
(com o Phantom Limb). 30 filmes e blá blá blá. #24
America, fuck yeah...
Uma relação afectiva a alimentar-se de conflitos geracionais e culturais, com o papão dos EUA a acenar à superfície audiovisual. Quando, ao fim de alguns minutos de fotos e fascinação pela americana, Rudiger Vogler espatifa a televisão do seu quarto de Motel e quando, pouco depois, acontece um miserável diálogo sobre identidade, o meu coração temeu estar em presença do pior arquétipo do arte e ensaio, com mensagem escarrada a servir de sobremesa. Felizmente, Wenders deve-se ter dado conta que tinha uma história para contar, sem desprimor para os pormenores pontilhistas das suas preocupações e fascinações sobre a velocidade civilizacional imposta pelos yankees (já bastava toda uma sequência de aeroporto). Uma obra em aconchegante lume brando, um road-movie pára-arranca com o detalhe importantíssimo da captação incessante dos olhares e dos malditos silêncios. Não consigo escrever mais do que estas preguiçosas ideias gerais. Estou cansado, tal como a personagem de Vogler. Pronto, gostei muito do Alice in den Stadten.
14/06/2009
escândalo é darem 18 milhões pelo (pobre) circo Quaresma
Estou(ive) a teclar isto numa esplanada. A três metros da minha pessoa, um (presumível) casal típico da linha: andam nos quarentas e picos, estão bronzeados, ele a ler o i, ela loura pintada e a fumar, de vestido branco com o bikini a ressaltar à vista; fartas mamas. Vão para casa tomar banho e depois vão para o BBC. Atrás deles, um casal nos mesmos quarenta e picos, mas de corpos e andrajos mais modestos: ele sorve caracóis (a empregada acaba de me perguntar se eu já pedi: já já. Estive dez minutos à espera. Tenho areia no bigode. O colega acaba de me trazer o café e a imperial.), ela lambuza um gelado. Vou parar de escrever para beber o café e fumar o cigarro. Já volto. Música de elevador. Voltei. Enquanto fumava, sentou-se à minha frente uma numerosa família; pelo que vejo, esqueceram-se da avó e dos gatos. A empregada mostra-lhes a ementa. Olho disfarçadamente, que isto é trabalho tão perigoso quanto inútil. Na aparelhagem sonora, a Patiente dos Guns, uma das melhores de sempre. A Coca-Cola, essa água imperialista (sic), está óptima. O casal bronzeado está a falar mas as ondas e os 70 db de ruído não me deixam ouvir. Lady Gaga na aparelhagem: vale cinquenta Madonnas (artista conceptual, para os amigos). Vejo um sinal: não se podem trazer cães. Trouxeram Cocas, Pepsis e Fantas para a família da frente. Agora toalha de mesa; também vão comer. O rabo da empregada, neste momento, está a cinquenta centímetros da minha cara, e não é nada de especial. As pessoas vão abandonando o areal, a maré vai subindo, e no horizonte marítimo um cruzeiro parte, recheado de velhos monárquicos. Pergunto-me se esta gente já se perguntou sobre o que é que eu estou a escrever. Está a ficar frio. Olhei para trás e vi uma moça com tamancos a ler o Equador e a mascar pastilha. Sai um hotdog para um indivíduo da frente. Os bronzeados, ouvintes de Michael Bolton e fãs de Stephen Daldry, vão-se. Mais um batido para a família. Era isto o que eu tinha a escrever sobre o pior filme que vi este ano. Vou-me levantar e vou-me embora.
Antes de se tornar especialista em mamutes cinematográficos, David Lean fazia filmes. Isto que eu acabo de escrever é uma gratuita provocação, pois da fase de prestígio institucional (algures a partir de A Ponte do Rio Kwai, talvez) de David eu só vi o Passage to India, aos treze anos, e lembro-me que quando acordei o Jaime Magalhães tinha acabado de concretizar o 4-0 contra o Sion, na segunda mão da segunda eliminatória da verdadeira Taça dos Campeões Europeus, época 1992/93; mas eu tenho óculos e já entrei na Cinemateca com os Cahiers debaixo do braço, tão suficientemente escondidos para não alardear bazófia como suficientemente à vista para demonstrar "conhecimento": equilíbrio pericilitante, lembro-me. Brief Encounter é muito bom. Faz da apropriação e da concentração de um local uma magnífica personagem e possui um uso do campo/contracampo que deixa respirar os estados de alma dos personagens. E aquela incessante narração off, em vez de sobrecarregar as imagens, transmite-lhes sentimento evanescente e onírico, captando na perfeição a transitoriedade do "tema". E a sua curta duração está de acordo com a modéstia do que é filmado. As histórias do amor já não se fazem assim. Espera-se a todo o instante o remake de Kar Wai, com menos nevoeiro e mais saltos altos.
mamã, liga a luz! É o Lars e os seus totalitarismos!
Première séquence
Un noir et blanc nickel, des inserts ultra-précis, des symboles archétypaux (Eros, Thanatos, désir, mort, les statuettes “douleur”, “deuil” et “chaos”, tout ça), un tube de Haendel… Formalisme, oui, au sens qui m’a toujours gonflé : délire perfectionniste, images lissées au fer à repasser, jonglage grossier de symboles simplistes. On est ici plus proche des publicités et clips chics des années 80, de Jan-Baptiste Mondino ou Bruce Weber que de Dreyer ou Tarkovski. Fabrique d’imagerie plutôt qu’images venant des profondeurs de l’inconscient de l’auteur.
Dia Monteiro-3
Em As Bodas De Deus, o João César namora com a vulgaridade.
Mas nunca filma o sexo directamente.
É uma cena fora do comum.
E isso não lhe causou nenhum problema?
É assim, para si, a única maneira possível de filmar uma cena de cama?
Talvez seja uma questão de olhar. Para mim o sexo não é ordinário. A vulgaridade sexual não me interessa. O sexo é uma coisa natural.
Mas nunca filma o sexo directamente.
Só filmei uma cena de cama na minha vida: a de As Bodas De Deus. é uma cena a três: a actriz, eu e a sociedade, ou seja, a câmara. Essa cena não foi incómoda para ninguém porque os dois actores não se sentiam incomodados por esse peso exterior.
É uma cena fora do comum.
O que cria um certo mal-estar é a confrontação de um corpo belo com o de uma velha carcaça. Acho que a sequência é bastante chocante. Por causa do meu corpo. É a única razão. Se tivesse escolhido uma beldade como, por exemplo, o Tom Cruise para fazer a lambidela, a cena tornar-se-ia muito confortável para o espectador.
E isso não lhe causou nenhum problema?
Nenhum. Exponho-me. Mostro a minha carcaça. Sou muito modesto. Estou mesmo convencido que é o mais belo nu da história do cinema depois de Auschwitz. Nessa sequência há, obviamente, a memória dos campos de concentração. O que é de escandaloso é a relação do meu corpo com aquela rapariga.
Esse corpo, apesar de ser de uma magreza doentia, está de plena saúde. É incrível: um corpo tão magro e tão activo.
Sou muito tímido. Essa sequência é uma prova de coragem. Não queria falar muito do Serge Daney, mas quando o conheci, ele já estava muito magro, por outras razões, evidentemente. Falámos muito, os dois, de emagrecimento. Contei-lhe da minha dificuldade em frequentar as praias cheias de gente, por ser sempre o mais magro. O Serge propôs fundarmos um clube de magros, para, então, irmos mostrar os nossos corpos nas praias. Se cinco magros fossem à praia em grupo sentir-se-iam menos sós.
É assim, para si, a única maneira possível de filmar uma cena de cama?
É praticamente impossível filmar uma cena de cama. Não conheço nenhuma que tenha resultado. Isso também tem a ver com a colocação da câmara. As cenas de cama, em geral, acabam sempre com piruetas, com a desordem dos corpos, para que o espectador possa ver o que se está a passar. É horrível.
Excerto de uma entrevista de Emannuel Bordeau, saída nos Cahiers du Cinéma nº541, Dezembro de 1999.
09/06/2009
(com o Phantom Limb). 30 filmes da década, um por semana até ao final do ano ou, o mais tardar, até final de Janeiro. Sem ordem alguma. #25
Carole Bouquet + Angela Molina vs Zoe Lund
Once upon a time, Roger Ebert escreveu que só mesmo no final de Cet obscur object du désir é que tinha notado que havia duas actrizes. Imaginemos, em abstracto, uma pessoa míope, com um olho tapado e o outro cheio de lêndias; em abstracto, eu. Mesmo nestas condições, o processamento cerebral que permite distinguir duas entidades distintas entraria em acção, e, portanto, jamais se poderia sequer conceber a hipótese da Conchita do filme de Buñuel ser interpretada pela "mesma actriz". Suponho que Ebert estaria ou drogado ou bêbado (perfeitamente possível para quem apresentava um programa televisivo em que as críticas eram rematadas com um polegar para cima ou para baixo), pois as diferenças entre Carole Bouquet e Angela Molina são abissais. Ambas interpretam uma espanholita mocita, mas Bouquet tem tanto de Espanha no sangue como eu tenho de benfiquismo; olhar glacial, distante, de uma perversa elegância, passaria mais facilmente como fêmea dos fiordes. Molina é uma Conchita "pura", extrovertida e fingida, e obviamente só ela poderia ter o costume de sevilhana no corpo e as castanholas na mão. Ebert, recomendo-te o Dr. Quintais; diz-lhe que vais da minha parte para obteres desconto. Ah, o filme é uma obra-prima, mas isso é chover no molhado.
Ui, a (tal) Soraia Chaves. Ui Jesus, que femme fatale de Carcavelos (a culpa não é tua, filha). Bom, eu queria era fazer uma tese de Mestrado sobre a belíssima Zoe Lund do extraodinário Ms. 45 de Ferrara, mas, para além da falta de categoria, teria de ouvir os depoimentos de Maria Velho da Costa, Laura Mulvey, do esqueleto da Sontag (nome mágico para engates de raparigas com meias ás cores) e da Ana Zanatti, e eu gosto é disto. Que espantosa personagem; a maravilha começa logo pela genial ideia de a tornar muda, um pormenor que evita desde logo a ganga palavrosa e redundante da vingança, e simultaneamente inscreve em Lund uma aura robótica e exterminadora, um "atira neles" sem pinga de hesitação e envolto em batôn e meias de rede; digníssima representante dos justiceiros solitários cinematográficos. Era matá-los a todos. O contraste entre o mutismo gélido de Zoe e o mundo promíscuo e corrupto que a rodeia (exemplar sequência final, anos setenta a transbordar do enquadramento) só torna a experiência mais marcante. Agora que Herzog (esse senhor Ferrari ou lá o que é...) prepara o remake de Bad Lieutenant, e a caminho também vem a "modernização" do caótico The Driller Killer, resta-me socorrer do baptismo, da comunhão, do crisma e dessas merdas todas para que o Senhor não providencie ao destino a "actualização" desta obra.
2 ou 3 coisas
03/06/2009
(com o Phantom Limb*). 30 filmes da década, um por semana até ao final do ano ou, o mais tardar, até final de Janeiro. Sem ordem alguma. #26
#30- Les Glaneurs et La Glaneuse, de Agnès Varda (2000)
#29- Hundstage, de Ulrich Seidl (2001)
#28- Takeshis', de Takeshi Kitano (2005)
#27- Before Sunset, de Richard Linklater (2004)
* 30, hã? Nem que tenhas de recorrer a um Road To Perdition, a um The Hours, a um Dogville, a um Sideways, a um Lost in...cala-te boca.
é Lang
Só falta premir o gatilho.
Há os filmes bons, os filmes muito bons, os filmes excepcionais, as obras-primas, as obras-primas absolutas, as obras-primas absolutas e indiscutíveis e quem não concordar merece ir trabalhar para a TVI, e depois há os filmes do caralho; Man Hunt cabe nesta última e prestigiada categoria. Só num filme do caralho de um realizador do caralho é que se podem efectuar rupturas de tom, entre as sombras da espionagem e as luzes da comédia de costumes, sem que que se perca o fio-de-prumo. Só um filme do caralho é que resiste, imaculadamente, à censura do jarreta Hays, que para nossa alegria colocou em off-screen (logo viva a imaginação, aleluia) uma tortura que ficaria a mais se estivesse explícita. Só um filme do caralho é que termina com a salvação do mundo a ter lugar dentro e fora (soberbo trabalho sobre o espaço) de uma caverna situada num bosque em meio de nenhures, suspense asfixiante paredes meias com a possibilidade iminente de George Sanders começar a beber com finesse o seu cházinho. E, last but not the least, só um realizador com tomates e caralho é que poderia avançar com a concretização desta obra (do caralho), numa época americana em que "os nazis não parecem ser assim tão maus". Espanto.
ou da cona. Este blogue é a favor da igualdade entre sexos.
ou da cona. Este blogue é a favor da igualdade entre sexos.
não sei que título dar a isto
E agora, minhas senhores e meus senhores, os tambores que rufem, pois vai-se escrever de eróticas digressões poéticas e da expressão "o teu sexo". Comece-se por esta última: mas que putaria de afectação vem a ser esta, pá? Mas que merda é esta? Foda-se, por amor de deus. Eu pensava que estas três palavras estavam apenas destinadas a aparecer em poeminhas emo de sujeitos "sensíveis" e "auto-destruidores", desses que polulam na blogosfera e que lá por rabiscarem meia dúzia de frases inspiradas (ou copiadas) da Espanca ou do Caeiro têm melhores possibilidades de derreter o mulherio e mais facilmente arranjar pito. Mas não, um dos melhores cineastas do planeta também a emprega amiúde vezes (para ser justo, deveria culpar o Bonitzer e a Christine Laurent) em Histoire de Marie et Julien, inserida nas tais modorrentas e insuportáveis eróticas digressões (a cabo da dupla Emmanuelle Béart e Jerzy Radziwilowicz), repletas de fantasiosos arabescos da palavra, supostamente com o intuito de nos imergir na atmosfera de um amour fou e doentio. Irritou-me sobremaneira, a tal ponto que quase me faz olvidar o que de bom o filme tem (o que não invalida que seja o pior Rivette já visto). A saber: todos os minutos antes de Béart entrar definitivamente na vida de Jerzy, e todos os minutos em que este está de volta dos seus relógios. Sobretudo estes, com um minucioso trabalho sonoro a equivaler-se aos delicados gestos do actor; paciência de câmara e de relojoaria (mesmo). Quanto ao "the big picture", cago de alto, até porque quase nunca senti a dúvida sobre o que estava a ver, coisa grave num filme de silêncios e subentendidos. Mais relógios e menos sobrenaturalidades, faz favor. E, sobretudo, evitar "o teu sexo". Por amor de deus.
Não me lembro se "o meu/teu sexo" aparece em Les Anges Exterminateurs, mas se aparece, deve estar escondido nalgum momento em que uma das volumosas moças abre as coxas e começa a dar à corda. Fora com a "poesia"; na obra de Brisseau, o sexo é jogado à cara, em longas e rigorosas set-pieces de prazer feminino, com o expoente máximo naquela maravilhosa cena de restaurante, versão feminina dos encontros salutares nas mesas do Eleven. Dispensava era o moralismo inerente às aparições , caução (?) para Parce le sexe c'est immorale!, proferida pelo homem das marionetas, Frederic van den Driessche, e visualização evidente para as balelas "a humanidade está perdida" e "estamos todos no Vazio", etc. Evidentemente, Cronenberg só há um, e vive em Toronto. Não deixa de ser, no entanto, um belíssimo filme. Em vários sentidos.
precisa-se de Operador de Som que não ache que ter uma câmara aos trambolhões seja "cinema experimental"
Quanto me encontro nos grandes boulevards, pergunto-me de imediato, Que espécie de impressão constroem eles em mim? E de facto esta impressão é um mistura de pernas que faz um som agudo no passeio. Tenho tentado transmitir esta impressão através do som e da imagem.
Bresson.
Dia Monteiro-II
[...]
[...]
Tivemos os cravos de 74. Se toda a gente podia filmar, eu também podia. Nesse tempo, só queria ter uma camarazita. Hoje já não penso assim. Acho que para filmar nem sequer preciso de uma câmara: preciso de um pouco de luz na minha cabeça e basta. Mas nessa altura, quase toda a gente me dizia que os filmes que eu fazia eram uma merda, que não tinha talento nenhum e sobretudo (e isso é que eu não suportava) que o que eu devia fazer era escrever porque para escrever tinha imenso jeito. Argumentava, ainda que debilmente, que não me importava nada de fazer merdas, desde que fossem minhas, que me estava nas tintas para o talento, e não sei que mais. Mas, para ser franco, comecei a ter ciúmes do escriba Monteiro. Foi então que decidi matá-lo, para que o rebento pudesse filmar livremente.
[...]
Excerto da resposta de João César Monteiro à pergunta Porque é que filma?, de Jacques Déniel, e publicada (em francês) no catálogo dos 5ºs Encontros Cinematográficos de Dunquerque, em 1991.
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