30/07/2008

gelado #47


Fãs de Dark Knight fazem de sua justiça.

29/07/2008

gelado #46



Antes de Memorias del Subdesarrollo, o mais perto que tinha conseguido estar do cinema cubano foi quando comprei um livro sobre, helás, cinema cubano no pavilhão, helás, cubano da Festa do, helás, Avante, um Domingo que guardo com muita saudade e ternura porque foi na Quinta da Atalaia que provei o melhor presunto até hoje, e por aquele presunto dispo-me de toda a integridade e começo a entoar a Internacional Socialista. O filme de Tomás Gutiérrez Alea, embora financiado pelo Estado Cubano (eufemismo para Fidel Castro), e sendo Alea na altura um apoiante do mesmo, não se torna, nem nada que se assemelhe, num panfleto primário sobre as maravilhas da Revolução Socialista (também só assim se explica que tenha sido o primeiro filme cubano a estrear nos yankees), embora também não a subverta com azimutes variados (como podia, sequer?); há uma névoa de ambiguidade neste filme, reflectindo o olhar do protagonista, que não permite retirar certezas seguras e definitivas sobre o que vimos, o que por si só já é uma virtude. Sergio, o protagonista, é um burguês que prefere ficar no país a fugir com a família para Miami, aproveitando essa solidão para contemplar o microcosmos social de Cuba, divagar sobre a natureza subdesenvolvida do país, embrenhar-se no tédio existencial sua vida, e reclamar sarcasticamente do modo paternalista como o povo ocidental encara o nativo, utilizando para isso o museu de Hemingway, com as suas armas e cabeças de animal expostas, uma gloriosa amostra do capitalismo além-fronteiras. Mais do que qualquer comentário político, Memorias del Subdesarrollo é uma análise comportamental de um povo, ora em tons irónicos ora em fogachos melancólicos e resignados, como se dali já nada mais pudesse acontecer e o fim da linha tivesse chegado de vez. E se escrevi antes que era um filme com a sua valente dose de ambiguidade, isso também passa muito pela realização de Tomás, imbuída do espírito fragmentado e corta-e-cola do cinema New Wave da época, com sobreposições e colagens de registos vários, desde a foto-montagem à reportagem filmada, toda uma mise-en-scène jazzística (não resisti) adequada ao que se pretende (ou não) exprimir. Perfeito (não tão como os presuntos, todavia).

E como estou numa de estreias de cinema latino-americano, então trata de colocar aqui uns bitaites sobre uma obra proveniente do Peru, a terra de Vargas Llosa, do Sendero Luminoso e do Cubillas e também de uma série de pessoal do qual eu não faço a mais pequena ideia. Días de Santiago foi a estreia na longa-metragem do imberbe Josue Mendez (28 anos, estes jovens), um filme que poderia ter sido uma sonora granada, mas que infelizmente apenas liberta uns estalidos de bombitas de carnaval. Tal como no filme de Alea, Días de Santiago coloca em marcha um protagonista (Santiago e os seus dias) que experimenta a vivência quotidiana da capital do seu país, mas enquanto em Memorias... ela é encarada com todas as contradições possíveis, aqui há um choque directo entre o que é a cidade (o mundo) e o que o protagonista (ex-guerrilheiro) pensa que ela deve ser, com os seus desejos de purificação e ordem (tudo tiene una orden, afirma Santiago repetidamente) como reparação do aparente caos exterior. Esta premissa de base fascista poderia dar origem a uma tensão permanente, mas a acumulação de momentos anedóticos e de palha narrativa (o que é obra, num filme de 83 minutos) retiram força e focus à missão organizativa de Santiago, que está menos disperso do que o seu realizador. Além do mais, há uma alternância entre a cor e o preto-e-branco que me pareceu completamente aleatória e desprovida de senso, mais parecendo que Josue quis dar ares de gajo muita bom, daqueles que mudam a cor fotográfica em cada cena porque, olha, é para aí que hoje estou virado e pode ser que haja quem ache isto muita radical e diferente dos filmes amaricanos, esses vendihões do Templo. Apesar de tudo, não é um trabalho indigente, vê-se com o mínimo de interesse, e augura uma certa expectativa para a carreira do realizador. Só agora é que reparei que não escrevi "Taxi Driver".

Memorias del Subdesarrollo -*****
Días de Santiago -**

27/07/2008

gelado #45

Os críticos, esses bandidos (parte 45678). E dura, e dura, e dura...

Custaria muito começar a chamar os nomes pelos bois, e a evitar generalizações que já estão mais do que estafadas e que são tão académicas como o pretenso academismo dos visados? Foda-se.

gelado #44

Este “The Dark Knight” é, sem duvida, um filme que vai ficar na história do cinema (...)

Excerto humorístico retirado da ficha do Dark Knight no Cinema2000, uma ficha onde o Eurico de Barros está a ser continuamente sovado há três dias pelos batmaníacos de serviço. Por mim falo: quando se é indiferente aos comics, quando o nome do realizador não aquece nem arrefece (embora não duvide que já haja quem o coloque como um dos melhores da história do cinema), e quando, ainda por cima, é-se bombardeado de todas as maneiras e feitios com a promoção deste filme, o sentimento de aversão é inevitável. Daqui a vinte anos falamos.

26/07/2008

gelado #43



Emmanuelle Béart a explodir com um carro e a girar a cabeça até o olhar incidir na audiência. A segunda coisa que eu mais gosto em Mission: Impossible é Tom Cruise, e nem vou revelar detalhes do sonho erótico que tive após a recente revisão do filme de Brian de Palma, e que o envolvia na companhia do General Loureiro dos Santos num hotel ali para os lados de Espinho. Cruise, a estrela toda-poderosa, e tendo em conta o seu estatuto, é pouco mais do que uma discreta presença nos primeiros vinte minutos, disseminado na equipa igualitária de Jon Voight, e se ao fim desse período de tempo torna-se inevitável que a estrela capte todas as atenções, nunca deixei de o entender como apenas mais um elemento na engenharia de pura precisão que é Mission: Impossible, algo que foi completamente desbaratado na continuação de John Woo (ainda não vi o terceiro). É curioso que, sendo uma obra recheada de mirabolantes momentos de desafio às leis físicas e de teste aos limites do impossível numa tela do cinema (não sem ironia), Mission: Impossible quase passe, doze anos após a sua estreia, por um objecto modesto e anacrónico nestes tempos pós-Wachowski, em que balas viajam quilómetros (eu não sei se viajam, apenas li o Jorge Mourinha), pessoas desviam-se das mesmas em hyper-slowmotions e carros andam a mil à hora (os manos, ao que se sabe, já têm outras inverosimilhanças na calha: Benfica novamente campeão Europeu, o Tv Rural voltar à programação da RTP, Vasco Pulido Valente escrever uma crónica esperançosa para este ermo miserável (sic), aka Portugal); quando Cruise salta para cima do comboio, e o vemos em plano médio a debater-se para lá se aguentar, a paisagem cardboard é tão visível que não deixamos de pensar o quão orgulhoso Hitch se sentiria ao ver esse momento (é Verão, tenho o corpo a suar que nem um Mário Bettencourt Resendes, não me peçam para deixar de ser preguiçoso ao ponto de não associar Alfred a um trabalho de Brian). A partir de agora, total silêncio, ordena Cruise a Jean Reno, antes da coreografia daquela que, quanto a mim, estará entre as candidatas a melhor sequência de todo o cinema dos anos noventa, uma depuração incrível de toda a tralha "moderna", apenas o uso da velha escala de planos como função primordial para o que se pretende: obrigar o espectador, mesmo o ateu, a juntar as mãos e iniciar uma reza de grande gabarito para que as energias positivas passem para o lado de lá; e silêncio, muito silêncio. Tal como outros filmes do cineasta, também por aqui se goza e constata a verdade da mentira das imagens , e se se procurar a definição filme de autor num blockbuster, então essa busca terá de passar obrigatoriamente por aqui.

Que têm comum a não estreia de Russian Ark em salas portuguesas, o programa O Dia Seguinte, ou os fóruns gays dedicados à artista conceptual (já venho, vou só ali à cozinha buscar um lenço para enxugar as lágrimas. Voltei) Madonna? São três dos maiores escândalos nacionais neste ainda jovem séc. XXI. Russian Ark é um filme único, e isto é absolutamente verdadeiro, não é um daqueles filmes únicos que nós por vezes classificamos de filmes únicos apenas para demonstrar a nossa inebriante admiração por esse filme único, mesmo que esse filme único contenha situações e motivos repisados e revistos centenas de milhares de vezes noutros filmes únicos; filmes únicos, a expressão da semana. E se catalogo a obra de Alexandr Sokurov de filme único nem estou a emitir uma opinião de valor, antes subscrevendo uma simples constatação: Hitchcock tentou-o, de Palma, Tarkovski, Mizoguchi, Angelopoulos, Ophuls também são (foram) adeptos da técnica, mas foi só aqui, precisamente aqui, como diria o dr. José Hermano (este blogue, como já ficou evidente, é apenas para consumo interno) que o plano-sequência existiu na sua plenitude, do primeiro ao último segundo de película, neste caso, de digital. O exercício já levanta espanto: sabe-se que Sokurov e a sua equipa dispuseram de escassos dois dias no Hermitage para a rodagem, um tempo recorde para ensaios e acção; será Sokurov humano, ou já estará ele no mesmo patamar de Bob Dylan e Leonard Cohen? Parece que à quarta tentativa o tour-se-force resultou, e se há um segredo eterno sobre o fabrico da Coca-Cola, também eu gostaria de saber como é que o cineasta russo e o director de fotografia Tilman Buttner (o mesmo do pavoroso Run Lola Run) filmaram a sequência do baile por entre centenas de figurantes, a com a câmara a fluir pelas danças como se fosse invisível. O olhar do espectador, acostumado ao corte, terá apenas de se habituar ao jogo, e se essa adesão surgir, a fruição será excepcional, chegando-se ao ponto de se ignorar a inovação, restando a admiração pelas situações que se vão desenrolando. Apesar da profunda melancolia, Russian Ark não é nenhum objecto hermético, até deixando escapar um aroma de humor cáustico, e não será preciso ter conhecimentos enciclopédicos da história russa para devidamente o apreciar. Mark Cousins, crítico inglês, escreveu que Russian Ark é a maior ruptura na linguagem cinematográfica após A Bout de Souffle, opinião desmentida pelo próprio Aleksandr, para quem esta ideia de eterno plano-sequência sempre existiu, faltando apenas a sua concretização (desse ponto de vista, já tudo existe, falta apenas alguém descobrir o raio da maneira de se viajar no tempo, para assim eu regressar a 1 de Novembro de 1755 e avisar as pessoas de que é favor não se aproximarem do rio). Bazin, provavelmente, iria delirar com isto.

Mission: Impossible -****
Russian Ark -*****

24/07/2008

gelado #42

Tomando em consideração aquilo que li na blogo-isfera e na imprensa nas últimas três semanas, gostava de me encontrar numa esplanada, à sombrinha de uma árvore, com os senhores Robert Allen Zimmerman e Leonard Norman Cohen, só para tirar a pratos limpos duas pequenas dúvidas que me atormentam a existência desde que li não sei adonde que o senhor Robert Zimmerman "tinha mudado o mundo tal como o conhecemos" ( o quê? exponenciou a venda da gaita de beiços?). A primeira dúvida seria desfeita com o seguinte processo: levantar-me-ia solenemente do banco da esplanada, e num momento de profundo transe espiritual-metafísico, atravessaria a mão pelos corpos de ambos os senhores, assim confirmando a teoria de que ambos planam um palmo acima da terra e de que não fazem parte desta triste materialidade gravitacional (é penoso confessar, mas em mim ainda há uma réstea de esperança de que ambos sejam apenas homens de carne e osso, com os seus deveres fisiológicos nada divinos. As minhas desculpas por ainda alimentar tamanha ideia mesquinha). Após esta certeza, que aliviaria o meu pobre e céptico coração, sentar-me-ia, e enquanto colocava o açucar no café, faria a seguinte questão: Senhores, meus bons senhores, agora que também eu comungo da indubitável certeza de que ambos estais noutra dimensão, assim me juntando a todos os crentes que, maldito seja eu, algo jocosamente li nos últimos tempos e que testemunhavam a vossa grandeza, tomai a bondade de responder a esta pergunta de este vosso humilde servo: qual é a sensação de nenhuma alminha os colocar em cheque?. O senhor Robert, num gesto magnânimo digno dos deuses, responderia: tenho aqui o Senhor Mandela para o esclarecer sobre isso.

a palavra ambos surge quatro vezes neste post. À atenção de Vasco Graça Moura ou mesmo de Ricardo Araújo Pereira.

23/07/2008

gelado #41


Para todos aqueles que continuam com a falácia do cinema-vérité na ponta da língua, ou em outra qualquer ponta anatómica. Cinema-vérité é tão paradoxal como Pinto da Costa Inocente*, Zezé Camarinha celibatário, Cavaco Silva relevante ou Soraia Chaves actriz**. Se na vida real o próprio olhar já é subjectivo, se a percepção das coisas é ambígua e variável, se ninguém encontra a Verdade, como é que pode alguém ainda continuar a usar tal expressão em relação a determinada arte?

* a auto-flagelação está marcada para a alameda do Dragão, por volta das 16 horas do próximo Sábado.

** a Soraia vai ter uma cobra enrolada ao corpo no próximo filme, onde vai desempenhar o papel de uma amante bissexual de Salazar (esta história, apurou este blogue, saiu da imaginação de Arthur C. Clarke). A Soraia não é parva nenhuma, e neste mundo onde o que o pessoal quer é mamas e cus enquanto esmigalha pipocas na boca, ela trata de tirar o melhor partido da frutosa imaginação do Criador. Nada a censurar. Só espero é que ela mais tarde não venha com as lamúrias do "typecasting".

gelado #40

Eu encaro a tarefa de crítica de cinema de forma natural. Institucionalmente, ela é uma coisa, um hábito de escrever em veículos de comunicação. Mas, para mim, é um espaço muito mais amplo, que começa no primeiro comentário na saída do filme, desde que constitua uma tentativa de compreensão e síntese das sensações experimentadas durante o filme (ou certo conjunto de filmes: filmografia de um autor, safra anual de um país etc.). Creio que o papel de um crítico é iluminar certos aspectos artísticos e influenciar seu leitor a observar além da superfície da obra (a intriga, os atores etc.) e travar contato com sua criação expressiva. Infelizmente, a maior parte da crítica se contenta em escrever sinopses opinativas. Sobre a necessidade de conhecimento, é claro que ajuda ter noções sobre aspectos da história da arte, da filmografia do cineasta em questão, ter uma boa visão de história mundial e história da arte. Mas há casos, e isso é tão importante quanto maravilhoso, em que é o comentário de um leigo que vai mais fundo na compreensão de um dado filme: é mais uma questão de sintonia e sensibilidade e de como conseguir expressar esses sentimentos. Conhecimento por si só é enciclopedismo primário*. Ruy Gardnier.

* faz-me lembrar aquele dia em que vi Frágil como o Mundo, de Rita Azevedo Gomes, na companhia de uma pessoa leiga na matéria, com total ausência de preconceitos para com o cinema português, e que quando terminou o filme explicou-me da maneira mais simples e cristalina as razões que a levaram a gostar dele. Sem saber o que é um cabrãozão de um split-screen. Abençoado olhar virgem.


gelado #39


É a chamada felicidade à la La Féria, à la Baião, à la Praça da Alegria, à la Malato, à la Fernando Mendes, à la concurso de Misses, á la cerimónia dos Oscars, à la todo e qualquer modelo de entretenimento a rebentar pelas costuras de açucar e de euforia e de divertimento muito bonito e muito feliz e muito genuíno. Pede-se cautela a quem tentar resistir a esta enxurrada de bonomia de plástico: os agentes especiais da felicidade andam por aí, prontos a vergastar e a encaminhar os tristes carrancudos para a ditadura do açucar.

21/07/2008

gelado #38



Não possuo conhecimento nem profundo nem semi-profundo da obra de Roger Corman, mas estou a par, com enorme profundidade, da lenga-lenga associada ao seu modus operandi: rodagens de dois-três dias, orçamentos à volta dos dois mil reis, multiplicidade de géneros prontos a serem consumidos pela geração drive-in, uma lógica de total rapidez, eficácia e economia (admira-me que o negócio Corman ainda não tenha surgido nas páginas do assustador suplemento económico do Público como um exemplo a seguir). Pois então não foi o meu espanto quando me deparei com a adaptação cinematográfica baseada no extraodinário The Pit and the Pendulum de Edgar Allan Poe, a minha verdadeira primeira incursão no cinema de Roger, já que antes tinha visto uns dois ou três filmes do homem, sem saber que eram dele, e pouco me ficou na caixa craniana. E agora o leitor pergunta, enquanto tenta aceder a um site de cinema porno alemão, ou na pior das hipóteses ao site do DN: qual foi o teu espanto, idiotazinho? Pois bem, eu por ali vi luxuosos ornamentos cenográficos, vi um tratamento da imagem impecável, vi digressões em flashbacks tintadas de sumptuosos filtros violeta, tudo sinónimo de inexcedível cuidado e ponderação; estava à espera de diabólico kitsch, deparou-se-me um genuíno ambiente de sofisticado romantismo funesto e macabro. Vincent Price, a Voz, está impecável como o atormentado marido de Barbara Steele, carregando na consciência uma tonelada de sentimentos de culpa, e não foi apenas por isto que Vertigo amiúde se me alembrou. E a claustrofobia de estúdio permite uma fácil e imediata identificação do espectador com o espaço, sem dispersões desnecessárias e ambíguas. Um muito bom filme, a que não será alheio o longuíssimo período de rodagem da acção, uns eternos quinze dias. Resta acrescentar que esta versão de Roger Corman nada tem a ver com a história original de Poe, e muito gostaria eu de uma adaptação contemporânea e fiel ao conto; depositem na minha miserável conta uns simples trinta milhões de dólares, que eu imediatamente contracto o Brian de Palma.

Há muitas coisas que me metem medo neste mundo, desde um editorial de João Marcelino ao telejornal da TVI, mas muito poucas conseguem assustar-me mais do que duas perigosíssimas e fanáticas seitas: a da Apple e a dos filmes de Série Z. Da primeira eu fujo a oito pés, e quando o destino se encarrega de me fazer encontrar com um elemento da dita, eu apenas digo mecânica e rigidamente "sim, é muito lindo", "sim, é extraodinário", e "ui, o iphone, que maravilha". Já quanto à segunda, também a evito o máximo que puder, mas isto só acontece depois de ter levado uma valiosa lição para a vida, quando num momento infeliz e preconceituoso, tive a brilhante ideia de mandar toda a série Z para a puta que a pariu, isto defronte de um dos fundamentalistas da tribo, o que originou alguns momentos de tensão; com tais seres humanos, só quero paz, do fundo do meu intestino grosso (aposto que há pessoas que ainda vêm aqui para aprender alguma cousa de cinema). Esta algaraviada a propósito de José do Caixão, ou melhor, José Mojica Marins, e da obra que lhe granjeou fama nos domínios do (o)culto cinematográfico, À Meia-Noite Levarei sua Alma. Digamos que a personagem Caixão é muito mais interessante que o realizador Marins, com o primeiro a vaguear por uma cidade brasileira de chapéu alto e capa preta, aterrorizando com a sua mera presença melíflua a população local, elaborando considerações sobre a futilidade dos ídolos religiosos de pés de barro, um carácter algo nietzschiano bem interessante. E depois há o filme, de terror, concebido por Mojica como se estivesse possuído por Ed Wood, com sequências de um desbragado e pindérico gore e interpretações de fazer chorar a rir as pedras da calçada. Enquanto Zé-personagem possui uma certa aura aristocrática e carismática, Zé-realizador possui tanto glamour como um pedreiro a partir brita às oito da manhã num apartamento dos subúrbios lisboetas. Ei, mas longe de mim escrever que isto é mau; aliás, é magnífico, extraodinário, melhor ainda que todos os discos juntos do Scott Walker, superior a qualquer robalo grelhado em Setúbal. Muito boa noite.

19/07/2008

gelado #37

1) Quando, daqui a trinta anos, os meus queridos netos me perguntarem que recordação especial tenho eu do ano de 2008, eu dir-lhes-ei:" Meus lindos, esse ano passar-me-ia ligeiramente ao lado, não fossem as trinta e cinco capas consecutivas do extinto a A Bola com um jogador argentino a servir de manchete. Quem presenciou tal acontecimento, está preparado para tudo nesta vida. Agora, ide ver o novo filme do mestre Manoel".

2) É certo que ainda não desfolhei por completo o Público de ontem, mas do mero relance não consegui descortinar qualquer referência à junção das palavras "Carla" e "Bruni". Invulgar, no mínimo. Pede-se mais atenção à secção cultural do jornal, ou mesmo ao Vitor Belanciano. Não nos desiludam.

3) A artista plástica Joana Vasconcelos, depois dos balões coloridos na Torre de Belém, decidiu agora estender um colchão de 35 x 15 m, destinado a ser suspenso na Ponte D. Luís, no Porto. Não, não vou fazer nenhuma piadinha com isto.

O cinema segue dentro de momentos.

14/07/2008

gelado #36

É um óasis, porque Padilha não consegue sustentar essa energia, desbaratando-a em desenvolvimentos narrativos que tresandam a lugar-comum de telenovela, em convenções banais do cinema de acção que acabam por tombar na exaltação do heroísmo guerreiro com bastante menos elegância do que, por exemplo, o mais ambíguo 300. Ípsilon, 11 de Julho de 2008.

Conversa telefónica entre director Fernandes e o director-adjunto Nuno Pacheco, algures em 2005. Com ligeiras interferências.

director Fernandes ( d. F)- Estou, Nuno?
Nuno Pacheco ( N. P)- Gosto muito de te ver ao sol, leãozinho...
d. F- Nuno, escuto? Onde estás?
N. P- Oi, cara. Tudo bom? Como vai essa viadagem por aí?
d. F- Epá, onde é que tu 'tás, pá? E porque é que ' tás a falar com sotaque brasileiro, pá?
N. P- Estava? Desculpa lá, ó Zé. É que isto de ouvir vinte e cinco horas por dia de música brasileira tem as suas consequências. Pior do que eu só o João Miguel Tavares, esse cara legal...ups, esse gajo muita bacano. E estou na redacção do jornal. Como vai isso aí em Washington?
d. F- Uma maravilha. Já passei as calças a ferro do Dick, do Donald, da Condoleezza, e daqui a meia hora vou aquecer a água do banho do Georgie. Eu...Eu...(choro)
N. P- Beleza! Não chora não, rapaz. Aproveita essa oportunidade única aí com os seus heróis. Dou uma forcinha.
d. F- (assoa o nariz). Já estou melhor...não é fácil aguentar tanta emoção. Bem, mas eu liguei-te para te dizer que...
Luís Filipe Vieira (L. F. V)- ... e entregue o bolo e os croquetes ao Cunha leal, mas não diga que fui eu que os mandei, 'tá a ouvir, caralho, foda-se?
Valentim Loureiro (V. L)- PENSA QUE EU SOU PARVO, OU QUÊ, CARALHO? TÁ TUDO RESOLVIDO, FODA-SE, CARALHO, PUTA QUE PARIU, CONA DA MANA...
N. P- ...Que bobagem vem a ser essa?
V. L- QUÉ ISTO? VIEIRA? 'TÁS A DAR NUMA DE BRASILEIRO, PUTA QUE PARIU DO CARALHO?
d. F- ...??? Ah? Nuno? Quem está aos berros?
L. F. V- Ai a merda...Isto deve ser tudo malta do Porto a ouvir...aqueles filhos da punheta!
d. F- Não estou a entender nada, for god sake. Isto está mais confuso do que aquelas minhas crónicas a enaltecer a guerra do Iraque...Nuno?
V. L- ...CARALHO...APITO DOURADO...CROQUETES...CUNHA LEAL...O MEU FILHO...VIEIRA?
N. P- Não dá com nada, não. É melhor desligar, Zé.
L. F. V- ' Tou aqui, Major. Parece-me que ambos os dois estamos a ser escutados...é melhor parar esta coisa agora, caralhos os fodam...Xau, não se esqueça dos croquetes!
N. P- Elis Regina...deusa celestial!
V. L- EU JÁ LHE DISSE QUE NA ME ESQUEÇO, CUM CARALHO! XAU, E CUIDADO COM OS PNEUS, HOMEM!
N. P- Tom Jobim..meu bem amado! Zé?
d. F- 'tou no ir. Não percebo nada do que se está a passar e tenho de ir preparar a água do meu menino. Daqui a uma hora ligo-te. Até já.
N. P- Até já, portuga. Dorival Caymmi...génio.

59 minutos e 23 segundos depois.

trim, trim, trim...

N. P- Estou?
d. F- Sou eu outra vez. Já estão todos a dormir aqui na casa, podemos falar com mais tranquilidade. Bem...
N. P- Antes de dizeres o que vais dizer, deixa-me dizer-te que já não digo nada em sotaque. ' tou aqui numa taberna e na mesa ao lado ' tão dois cabeças rapadas.
d. F- Bem haja a esses senhores. Bom, directo ao assunto: que me dizes do Jorge Mourinha? A Kathleen quer sair dali para dedicar mais tempo à Zé dos Bois, e eu pensei em substituí-la pelo Jorge...que achas?
N. P- Dir-te-ia alguma coisa se conhecesse o jovem em questão. De qualquer das maneiras, tu és o director, tu é que sabes da poda. Merda...apetece-me pedir uma caipirinha...mas estes gajos aqui ao lado...
d. F- Pede um tinto. ' Tá bem...mas gostava de conhecer a tua opinião. É que...já sabes...a nossa secção de cinema tem uma reputação...enfim...
N. P- ...Tem aí Teobar...?
d. F- ...algo snob...com aquela coisa da política dos autores ou o que o valha...quero que haja um contraponto...
N. P- ... e uns caracóis, se não se importar...
d. F- ...aquela intelectualite...alguém que recomende o Harry Potter, que não seja negligente com o Narnia, que não despreze os blockbusters...
N. P- 'Tão fresquinhos, ó Zé...
d. F- ...e o Mourinha parece-me ser o rapaz indicado para essa tarefa. Além do mais, quando...
N. P- ...de onde terão vindo estes bichos?...
d. F- ...fizermos a reformulação do jornal, quero entregar-lhe uma coluna diária sobre tv. Carlos Castro de dia e Truffaut de noite...parece-me giro e muito eclético...
N. P- ...isto é vinho ou água com lixívia?...
d. F- ...pois, e vamos lá ver no que isto dá. Bem, Nuno...tenho de ir que os meninos e a menina acordaram...não me dão descanso, estes rebeldes. Obrigado pela ajuda, pá. Adeus e até ao meu regresso...
N. P- ...será que o Drummond de Andrade comia caracóis?...

2013. Conferência de imprensa de Director Fernandes.

Sob o efeito da renovação de quadros que proposemos iniciar há alguns anos, a direcção do Público esclarece que o novo painel de críticos de cinema será constituído, a partir da próxima Sexta- Feira, pelos seguintes elementos: Jorge Mourinha, Padre Borga, José Cid, e Pedro Santana Lopes. Boa noite, e obrigado.

11/07/2008

gelado #35



Bem, esta é a última aula de cinema do ano lectivo. Alguma pergunta que me queiram fazer antes de eu a dar por encerrada, seus idiotas? Sim, senhor professor. Queríamos que nos recomendasse um filme que frustrasse com mestria as nossas expectativas baseadas num olhar domesticado pelas incursões aos multiplexes do Colombo e do El Corte Ingles. Com certeza, filhos da mãe. Los muertos, do argentino Lisandro Alonso, é o vosso filme. Além do mais, confirma que todos os Lisandros são quase-génios. Agora desandem.

O professor tem toda a razão. Los Muertos instaura, desde a espantosa sequência inicial passada na floresta, uma sombra de inquietação e incerteza que joga de maneira subtil com a percepção do espectador sobre os códigos de género, nomeadamente o thriller e o filme de terror (isto não é um ataque de delírio, asseguro). A história de um homem que sai da prisão e vai visitar a sua filha, para isso tendo de atravessar um rio, é como assistir à filmagem em tempo real de uma elipse: não sabemos quase nada, não temos pistas, não há ramos de informação que nos consigam amparar, apenas e só imagens em bruto, e é com elas que temos de ficar para apreciar este filme belo, misterioso, primitivo. Esta vertente primitiva atravessa o filme todo, e a nossa personagem é a encarnação mais pura da máxima A man's got to do what a man's got to do, sem mesquinhices ambientais ou ideológicas a embaciarem a sua consciência, e se para tal desiderato tiver de se arranjar uma catana (prodigioso raccord com a sequência do início), não há nada que o possa impedir. A austeridade dos planos e o miraculoso trabalho sonoro são as armas de Alonso para o seu joguete de nervos com quem está a ver, e uma prova do rigor e da coerência de atitude que pauta Los Muertos do primeiro ao último segundo. O último plano é um daqueles fora-de-campo que causam mais medo que a grotesca quincalharia gráfica do mais básico horror movie. Um homem, uma canoa, um rio e luxuriante vegetação: Lisandro já tem o seu Heart of Darkness.

Também da América do Sul, igualmente com poucos anos de vida, Céu de Suely, longa de Karim Ainouz que teve alguma projecção internacional, menos em Portugal, onde só se estreiam filmes brasileiros que se passem em favelas (algo como estrearem no país irmão apenas obras portuguesas cujas mulheres tenham bigode, os homens chamarem-se todos Manel e onde obrigatoriamente tem de existir uma sequência em Fátima). A Suely do título é uma moça que juntamente com o seu filho bebé regressa de São Paulo para a sua terrinha, e que aí promete o paraíso a quem ganhar o sorteio de uma rifa muito especial. Karim Ainouz tenta a especialidade arte e ensaio, mas este escriba sentiu por vezes um registo de (demasiada) pose artística nos enquadramentos e nas relações entre as personagens, para além da existência de sequências algo decorativas (sobretudo um bailarico a pedir mais cortes) e uma sobreposição musical nas imagens que está tão adequada como a presença de um fã (nático) de Star Wars na rodagem de um filme porno. Como filme de cenas que é, o seu principal mérito é precisamente esse, o de construir alguns momentos viscerais e menos calculistas, e o meu destaque vai para um brilhante duelo entre Suely e a sua avó, com Ainouz a destilar camadas de tensão a cada segundo que passa. No seu todo, O Céu de Suely é desequilibrado como um adolescente acabado de sair da 24 de Julho, mas como supremo paradoxo são as suas debilidades (a tal pose) que mo fazem recomendar. E a actriz principal tem umas grandes pernas.

gelado #34

Realidade:

Os filmes transcendentais de Bresson e Dreyer entediam-me. Abbas Kiarostami

Não me interessa o que Kiarostami diz, apenas o que faz. João Botelho

Ficção:

A mãe do autor do blogo Paraíso do Gelado é uma meretriz. Abbas Kiarostami

Não me interessa o que Kiarostami diz, apenas o que faz. Autor do blogo Paraíso do Gelado

Relativizai boutades cinematográficas provenientes dos cineastas espalhados pelo mundo. Não façais delas cavalos de batalha nem as tomais como a Verdade. Encarai como conversa de café, por entre uma mini e meia dúzia de pevides. Não te deixais fascinar cegamente pela sua natureza rebelde e politicamente incorrecta. Não idolatrais (mesmo que concordais com) os pressupostos absolutistas de tais dizendos (o Mia Couto está aqui ao meu lado). Nada disto se aplicai aos escritendos e ditendos do comentador Vasconcelos.


gelado #33

Não é verdade que eu não aprecie séries.

09/07/2008

gelado #32


No caso específico do cinema, também não me recordo de qualquer referência de cardeal Pacheco a algum filme, por mais genérica que fosse. Contudo, temos de estar na posse de todos os pormenores para saber qual a razão de tal discriminação artística: é que o cardeal Pacheco que nos tem massivamente sobrevoado a tola nos últimos cinco, seis anos, educando-nos de forma altruísta, maravilhando-nos com os mais ínfimos recantos do Jardim de Santo Amaro, prevenindo-nos contra a alienação futeboleira e das férias allgarvias, queixando-se das torpes piratarias efectuadas ao seu blogo, punindo com a sua pena dourada qualquer vestígio de populismo no PSD, esse cardeal Pacheco, lamento informar, é apenas um resíduo holográfico do verdadeiro cardeal Pacheco, que em absoluto segredo e de sentidos aprumados, anda desde o dia 20 de Março de 2003 a calcorrear cada centímetro quadrado da superfície e do subsolo iraquiano, munido de apenas um capacete de mineiro, um ancinho e de alguns víveres que a população local lhe oferece. Este blogue deseja ao cardeal a melhor sorte na busca das tenebrosas "bombas de destruição maciça".

gelado #31

O meu filme ideal seria aquele sem exteriores e sem cenários, apenas actores trabalhando em frente de paredes brancas. Mikio Naruse.

Mais uma prova de que é deveras injusto chamar inculto e infantil ao "cineasta" Lucas (o verdadeiro realizador do último Indiana Jones). Georgie Boy, como conhecido apologista de Naruse que é, aproveitou a deixa do seu mestre e tratou de a consumar tecnicamente, abrindo o caminho a mais pequenos georgies boys. Muito injusto.

gelado #30

I have a great antipathy towards didacticism. I think, when my films work, they work in part because they bring a place to people. But I’m not trying to tell anyone what to think about it, nor am I trying to suggest how they should use it. What I’m trying to do – or at least I think I’m trying to do – is make the best movie about the material in a form that works as a movie.

And I have a real horror of didacticism, whether it’s in movies or in literature. You know the old bromide by the famous philosopher Samuel Goldwyn: “When you have a message, send a telegram.”


When I say I’m not interested in didacticism, I mean I don’t like to hit people over the head with a message. Because if I could say what the point of view of the film is in 25 words or less, I shouldn’t make the film.

Somebody after a screening of Welfare some years ago raised their hand in a question period and said, “What’s the movie about?” And I said, “About three hours.”

Frederick Wiseman.




07/07/2008

gelado #29



Recuperando uma feliz expressão, The Driver cheira a gasolina e a borracha queimada, e já que se está numa era de remakes e adaptações contemporâneas, estranha-se que esta obra de Walter Hill, uma das suas melhores, ainda não tenha sido alvo de assassinato, perdão, recontextualização. Walter Hill, ele mesmo, neste momento em parte incerta, realizou um filme que segundo Dave Kehr extrai influências de Bresson, Hawks e Melville (eu acrescentaria Peckinpah ou mesmo o Hellman de Two-Lane Blacktop): o diálogo é minimal, Ryan O'Neal é um Driver solitário e profissionalíssimo, cujos vínculos com o exterior resumem-se a ajudar assaltantes a fugir das autoridades, Bruce Dern, como polícia, é o alter-ego de O'Neal, e Isabelle Adjani é uma presença impassível no meio de tanta masculinidade (ninguém tem nome próprio). Hill, que mais tarde se especializaria em rebuscados e excessivos filmes de acção, tem aqui um trabalho seco até aos ossos, sem empecilhos musicais ou retórica de encher chouriços, tecendo uma cerebralidade, frieza e pureza de processos muito mais próximos do cinema europeu do que da parafernália norte-americana associada ao mesmo género de filmes. A dedicação ás longas sequências de perseguição são, curiosamente, o que menos me agradou em The Driver, talvez porque depois de se ver To Live and Die in L.A, mais nenhuma correria de automóveis, por mais bem executada que seja, não deixará de se constituir como uma fraca consolação comparada com os inebriantes duelos de máquinas de William Friedkin. De qualquer das maneiras, se eu fosse dono de um cinema, trataria de fazer uma doube-bill entre o Speed Racer e este The Driver, por esta ordem, e quem tentasse sair da sala, encontraria vários polícias de pistola em riste.

No mesmo ano, Harvey Keitel também pegou no carro em Fingers, mas tal não é importante para a narrativa. O actor de Bad Lieutenant interpreta um escroque de meia-tigela ao serviço do pai, e simultanemante é um pianista com sonhos de grandeza, tarado sexual, possui problemas de próstata e anda sempre na mão com um rádio em altos berros. James Toback, realizador de quem eu mais nada vi embora duvide que tenha feito mais alguma coisa relevante, realizou um Cassavetes em ponto pequeno, o que não é desprestígio nenhum; sente-se a influência de John na improvisação dos diálogos, no caminho tortuoso do argumento onde a indefinição páira, e em momentos onde não parece estar a acontecer cinema, mas a própria vida. Pena, então, que Toback exagere na divisão a traço grosso entre as situações mundanas de Keitel e as cenas "espirituais" de quando ele se senta ao piano, longas sequências de virtuosísmo artístico para que o espectador perceba que, afinal, aquele homem também tem muita sensibilidade e vulnerabilidade. Como bom aprendiz dos anos setenta, Toback termina o seu filme na mais completa suspensão, onde de concreto há apenas o corpo de Keitel. Vinte cinco anos depois, Jacques Audiard daria outro fôlego a esta história, no remake De battre mon coeur s'est arrêté.

gelado #28


Vinte a vinte cinco-minutos de imagens perdidas de Metropolis foram encontradas no Museu de Cinema de Buenos Aires. É apenas mais uma adenda para o eterno work-in-progress de um filme que já conheceu milhentas versões, sendo censurado, mutilado e esquartejado variadíssimas vezes nos mais diversificados contextos e alturas. E ainda não é o fim: algures, no sotão de uma rústica casa de Lamego ou enterradas no Jardim da Estrela, mais new footage poderá ser descoberta. Nunca ninguém viu Metropolis.

gelado #27

Michael Haneke viajou até aos EUA para rodar esta nova versão, completamente inconsequente e inútil, do seu filme homónimo de 1997, feito como reacção a Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, para que o público compreendesse que não se pode brincar impunemente com a violência no cinema (oh, que comovente). Eurico de Barros, DN.

Violence is one of the most cinematic things you can do with film. It's almost as if (THOMAS) EDISON and the LUMIERE brothers invented the camera for filming violence. Q. Tarantino.

É, pois, conclusão do provedor deste blogue, que Michael Haneke, no seu moralismo beato e simplório, quer tratar o espectador como uma criança de cinco anos, ou pior ainda, como um retardado mental incapaz de diferenciar o bem e o mal, seja lá isso o que for. Mais: na sua simplicidade, subtileza e classicismo, e sem transmitir a sua mensagem como se estivesse a dar marretadas no espectador, um filme como Unforgiven escava mais fundo e reflecte de forma muito mais adulta sobre a "violência no cinema" e a gratuitidade muitas vezes associada a ela. Ainda mais: Haneke deve juntar-se a Laurinda Alves e a Eduardo Sá num talk-show, onde cada semana alertarão os meninos e as meninas sobre o enorme perigo que é observar cacetada aos montes nos desenhos animados e filmes em geral. Para terminar, o provedor aconselha Michael a pintar a barba de cor-de-rosa.

gelado #26

I'm gonna go have a smoke right now. You want a smoke? You don't smoke, do ya, right? What are ya, one of those fitness freaks, huh? Go fuck yourself. Ellerby (A. Baldwin) para Sullivan (M. Damon), The Departed.

Não tardará muito até a ASAE começar a imiscuir-se nos diálogos cinematográficos. Alguém que lhes providencie um lápis azul, se faz favor.

04/07/2008

gelado #25



Bebedeiras de costa-a-costa, caçadas, porrada nas mulheres: senhoras e senhores, meninos e meninas, esta gelataria tem a honra de apresentar o Hemingway da película, o Miguel Sousa Tavares do cinematógrafo, o cineasta de sonho de Maria Teresa Horta,...John Huston. O Homem que, nos intervalos da marialvice, realizou uns quantos grandes filmes, por mais que custasse à palavra sagrada dos Cahiers (prefiro o pior filme de Hawks ao melhor de Huston, Truffaut). E que não se coibiu de gozar à descarada com um dos géneros que ajudou a cimentar na consciência pública, o noir, como é exemplo Beat The Devil. Uma obra que eu conhecia apenas de nome, e sabendo que nela participava Humphrey Bogart, tratei de fazer uma conta de somar que se revelaria errada: Huston+Bogart+Beat The Devil= filme negro como bréu. Digamos que Boggie passeia a sua persona no filme, resistindo estoicamente ao rebentar de riso, Peter Lorre (I'm Not Mr. Horreur! I'm Mr. O' Hara!) interpreta um vilão como se estivesse num film noir a sério, o que só torna a sua presença ainda mais hilariante, há Gina Lollobrigida com um ridículo sotaque britânico, há paisagens naturais dignas de figurarem no suplemento Fugas, há um árabe que suspira por Rita Hayworth, um capitão italiano de um barco português (!) que grita como se estivesse no mercado do Bulhão a vender peixe, e há um John Huston, ele próprio, a efectuar picados e contra-picados porque sim, porque isto é um filme de férias para gente que se quer descomprimir. Para o desrespeito e o deboche atingirem a perfeição, só faltou que a Jennifer Jones e a Gina se embrulhassem à frente de Humphrey; seria o melhor gag de Beat The Devil. Ah, e esqueci-me de referir, mas acho que se se procurar muitíssimo bem, pode-se encontrar por ali um arremedo de história...

Who...killed...Sloan?.

Deixemo-nos de brincadeiras, que agora é tempo de Samuel Fuller, um daqueles cineastas, como Ford ou César Monteiro, que eu teria medo de encarar olhos nos olhos. Schock Corridor teve um orçamento por volta dos cento e cinquenta escudos, mas o resultado final é esse valor multiplicado por muitos zeros. Filme de um tempo e de um espaço bem delimitados (anos 60, USA), capitaliza o seu mcguffin (jornalista que simula estar louco para assim entrar num manicómio e descobrir quem assassinou um dos pacientes) para abordar alguns dos temas escaldantes da altura, como a segregação racial, a guerra nuclear ou a dissidência à pátria, cada um deles entregue a determinado doente, cuja loucura é um sintoma de expiação de culpa das "falhas" cometidas anteriormente. Fuller nunca foi um cineasta de bonitas porcelanas e deslumbrantes bordados, por isso nada disto é (muito) subtil, os comportamentos dos personagens sucedendo-se como epidérmicas acções/reacções, convenientemente enquadradas por uma fotografia áspera de Stanley The Night of The Hunter Cortez (há súbitos momentos de cor, e funcionam como explosões a rasgar o monocromatismo). O que realmente importa é que este é um filme de um imediatismo chocante, e em alguns momentos senti-me como se estivesse no interior do manicómio com aquelas pessoas, ouvindo os gritos, sentindo a estranheza daquele ambiente; não se pode pedir mais nada ao cinema, quando ele nos leva a crer que também nós somos uma personagem. Quando tudo termina, o melhor é levantar-se do sofá, olhar o céu, e dizer baixinho, sim, ainda estou aqui. Filmão do caralho, é o que é.

gelado #24

Eu também acho que há alguma televisão que dá muita coça a muito cinema.

gelado #23

Deixa é cá meter algum no bolso, que a vidinha não está para ligeirezas românticas, e esperar que alguns críticos venham com os "palimpsestos", as "instalações", e as "descontextualizações". Sprachen, Sprachen, meus queridos, que o dinheirinho já cá canta.

gelado #22

Que fiz eu para merecer isto? (7)

Matador (visto, uma única vez, há 16 anos. A precisar de revisão, embora me lembre bastante bem da cena inicial)

A Lei do Desejo (8)

Mulheres à beira de um ataque de nervos (7)

Ata-me (8)

Kika (10) (contem a melhor violação da "história do cinema")

A Flor do meu segredo (8)

Em Carne Viva (9)

Tudo sobre a minha mãe (9)

Fala com ela (8)

La mala Education (8)

Volver (5)

Resposta a um estimado convite de um blogger adepto do 4º classificado.

02/07/2008

gelado #21

I admit I was a bit wary, not for what I'd already read by the philosopher himself, but from the way he's frequently discussed, his role as the sort of radical French thinker taken up by bobos and artists and impressed humanities grad students: post-Marxist and still "viable" now that we are post the peak of postmodern theory's power. (Or is that a grand narrative? Help!) I think the unfortunate thing about people like Rancière, Žižek, even the late great headscratcher Deleuze is that they don't really piss anyone off. Not really, and not the right people one should want to piss off. I don't use this to paint all of these contemporary philosophers with otherwise the same brush: Žižek is only very intermittently worth reading, whereas Rancière seems to be very worthwhile. (Deleuze has fantastic stuff too, but he's got his limits, as Luc Moullet's sly deflation shows with respect to the Cinema books.) It's more a matter of staying realistic about the alleged radical potential of these figures' works. People sometimes talk about continental theorists like they're talking about indie rock bands. (I admit I've done it myself.)* It's a pointless game; it's a form of philosophizing taken from its unsexy envelopment in actual society. Elusive Lucidity.

* ainda ontem, em conversa com um grande admirador do Speed Racer, se discorria sobre Zizek e o elemento fashion que é apreciar os seus escritos e ditos (embora neste caso a compreensão seja um bocadinho mais complicada, pois o inglês do homem é ininteligível, e por isso mesmo gostaria de saber como é que as pessoas que estiveram na cinemateca no passado sábado conseguiram decifrar o que o homem disse, e se eu lá tivesse estado, poderia dizer, com toda a propriedade, não percebi um caralho do que ele disse, e acrescentaria sim, literalmente). Mas se muitos realizadores já são idolatrados como criaturas divinas, porque é que ensaístas radicais também não o poderão ser? Zizek é apenas mais uma peça na engrenagem que tão laboriosamente procura descontruir em mil pedaços. Vou comer um iogurte.

gelado #20


São Carlos, anyone? Até desço à humilhação de usar smoking.

gelado #19

About Kazan, I put it three ways: one, I wouldn’t want to be buried in the same cemetery with the guy. Two, if I was on a desert island with him I’d be afraid to fall asleep because he’d probably eat me for breakfast. Three, we’ve already given him the Benedict Arnold award, which is usually reserved for presidential assassins. Except he didn’t kill a president, just his friends. All those people with the Group Theater, they were his best friends.'

'I was on this radio show and Chuck [Heston] called in, and I said hey, you’re the king of guns, why dontcha go get a gun, give it to Kazan, he could blow his brains out and go down in infamy, which is all he wants.'

Abraham Polonsky, um dos que foi para a jarra.
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